Cresci
ouvindo frases do tipo: “Terra chamando Edson”, ou “ É preciso
por os pés no chão meu amigo.” Pois é, são frases assim que nos
alertam de tempos em tempos, para que paremos de sonhar e finquemos
nossos pés no chão da existência. Mas a grande verdade é que nós
sonhamos a maior parte de nosso tempo e só em alguns momentos
acordamos.
Algumas
pessoas (e eu posso afirmar que estou fora desta lista) passam um
terço de suas vidas dormindo, sonhando, e quando despertam, suas
fantasias ocupam um tempo muito maior do que imaginam. Mesmo no
trabalho elas fantasiam estar em outro lugar, com outras pessoas.
Quando têm a oportunidade de tirar umas merecidas férias, ficam
imaginando que farão com os onze meses que virão depois. Num
exercício platônico idealizam, se imaginam sendo o centro das
atenções por alguns míseros segundos, veem-se com alguém a quem
desejam, ou cogitam uma situação onde conseguem algum mérito pelos
seus esforços.
Sempre
que podem, e podem fazer isso várias vezes por dia, utilizam algum
escape para lidar com a dura realidade. É bem verdade, que se
pudéssemos, usaríamos algumas fantasias emprestadas das séries de Netflix, dos filmes ou até mesmo dos romances ou tragédias escritos
pelos grandes como Fiodor Dostoiévski e William Shakespeare, nos
quais a angústia por um final feliz faz do leitor quase que um
co-autor. Mas o que a psicanálise fala sobre isso?
A
psicanálise propõe-se o condão de decifrar as fantasias e avaliar
o conteúdo da realidade a qual o sujeito sofre. O “Tio Freud”,
em sua teoria que nasceu da possibilidade de fazer interpretações
das fantasias dos neuróticos, descobriu que em cada sintoma do
paciente havia uma história para contar. E atrama que surgia a
partir do sofrimento de cada um deles era, em parte, construída de
fatos da realidade, mas acrescentada de outros fatos, esses pois
imaginários.
O
discurso possível a respeito de quem somos na verdade e do que nos
aflige, seria constituído de histórias, na tentativa de criar um
sentido para nossa existência e assim poder sustentar nossos desejos
inconscientes.
São
nossos palácios mentais, aqueles lugares onde só nós podemos
chegar, só nós temos acesso, por um portal tridimensional, uma
máquina do tempo imaginária, uma porta que se abre dentro de um
armário, sei lá, cada um sabe como chegar lá, ouvindo uma canção,
meditando, orando numa igreja, relaxando à sombra de uma árvore ou
trancado em um quarto escuro, num cárcere.
É o limite que se estabelece entre o real e o imaginário, porque ali a
magia é real, pode-se voar se quiser, criar asas, encontrar-se com
seres encantados, heróis de quadrinhos ou épicos, pode-se ter
garras de adamantium ou soltar laser pelos olhos, ser um milionário
da mega sena ou amante da mais bela atriz de Holliwood ou dos
X-videos.
Quando
estamos no “era uma vez”, a história imaginária se instala em
um sonho, que nos projeta para uma aventura, uma situação, um
momento no qual as sensações e vivências se entrelaçam permeando
nosso imaginário onírico de construção de personagens que
gostaríamos de ser, como o “homem tomada” do filho de um de meus
amigos. A fantasia nos convoca e nos presenteia com efeitos
maravilhosos que nos levam (e levam mesmo) a uma viagem fantástica e
inesquecível.
Essa
alienação é tão poderosa que pode suspender a lógica e o senso
crítico, nos remetendo para um mundo fora do tempo, onde o espaço
da imaginação cede lugar a uma fantasia construída por um ideal
imaginário, e como disse, platônico. Por mais que essa viagem às
vezes seja um completa desordem, ela sempre será reordenada, de
acordo com o final que queiramos dar, ou, que a mensagem implícita
seja pelo menos tranquilizadora, daquelas que dá um friozinho na
barriga, e nos parece que uma injeção de ânimo fora aplicada
diretamente em nosso cérebro.
Assim
vamos levando a vida, pensando que sonhar, imaginar, fantasiar, é
prerrogativa das crianças que não conseguem ainda enxergar a
maldade no mundo que as circunda. Somos adultos sonhadores,
obviamente que uma consciência sem graça e entrometida virá o
tempo todos tentar nos acordar, nos fazer botar os pés no chão,
acordar pra vida, mas não ligamos, continuamos fugindo de tempos em
tempos, o tempo todo para algum lugar bem afastado de todas as
responsabilidades que a vida adulta nos confere, as contas que estão
atrasadas, a mulher que foi embora e não vai voltar, o emprego dos
sonhos, o salário merecido que nunca chega.
Há
um significado pra tudo isso?
Olha,
não sei se há, mas que nos ajuda a viver, nos ajuda a sofrer com
dignidade, isso não podemos negar. Isso não quer dizer que devamos
levar a vida de avestruzes que escondem a cabeça num buraco crendo
que estão protegidos de seus predadores, de forma alguma. Seria mais como
o pavão, que abre suas plumas, e mesmo sendo menor, consegue
convencer seu adversário de que é maior e mais poderoso.
Assim
superaremos melhor os traumas, as perdas, as falhas, alienando-nos de
vez em quando, em doses medicinais, para que possamos crescer por
dentro e tornarmo-nos o Super homem de Jerry Siegel ou de Nietzche.
Edson
Moura
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