Pelo olhar da desconstrução




Se Deus for considerado uma criação humana, não será, nesta hipótese, a invenção mais perfeita que teríamos construído?!

Tente viver sem fé neste mundo de incertezas. Se você for um crente, apenas faça um exercício mental de imaginar como passaria a experimentar o seu cotidiano até morrer e, dentro de uma concepção ateia e materialista, simplesmente deixar de existir como consciência (pois dependeria do corpo). E aí falo não de enfrentar o drama da finitude ou  de deixarmos para trás todo um passado terreno que poderia ser prolongado numa memória além-túmulo, mas, sim, de encararmos com disposição cada momento aqui mesmo. Principalmente os acontecimentos ruins que nos sucedem.

Falando sobre Deus do ponto de vista judaico-cristão, com base na Bíblia, fico pensando que falta deve fazer ao descrente não poder contar com uma oração como a do Salmo 121 nas horas difíceis. Pois para um ateu a figura metafórica de um "Guardião" (hebr. Shomer) sempre vigilante e que nos protege do mal seria um "delírio" ou uma "fuga" da dura realidade na qual se encontra a grande maioria dos seres humanos.

O fato é que todos nós enfrentamos situações bem angustiosas. É quando o íntimo do nosso ser grita por socorro e aí o incrédulo pode facilmente perder a esperança de um livramento por não vislumbrar chances materiais de conseguir escapar. Falta-lhe então o combustível necessário para prosseguir e procurar uma solução diante daquilo que se tornou impossível aos seus olhos.

Por outro lado, não nego que o crente também vivencia a experiência de "olhar para os montes" e não receber nenhum socorro material imediato, o que muitas das vezes afetará a sua fé. Então não ignoro que, ao passar por um sofrimento intenso, essa pessoa talvez se sinta abandonada, rejeitada, sem chão ou traída pelas próprias convicções religiosas. O seu sentimento de revolta poderá crescer a tal ponto de ir no sentido oposto ao da fé, passando a abominar qualquer aconselhamento pastoral e rejeitar os convites para orar.

Seja como for, tenho pra mim que, independentemente da crise pela qual o crente passa, dificilmente ele optará por se sentir só. Pois, por mais que deseje arrancar de si os enganos da religiosidade, o seu coração nunca vai se contentar em romper com a esperança da vida a ponto de olhar para os montes e não aguardar mais socorro algum abandonando-se à própria sorte.

Concluo, meus amigos, que ninguém, nem mesmo o mais radical dos ateus, quer ter o sofrimento piorado, mas superado ou ao menos atenuado. Por isso, considero que há uma necessidade e até benefícios quanto ao exercício da fé.


OBS: Imagem acima extraída de http://vidasembarreiras.com.br/wp-content/uploads/2015/03/desconstruir3.jpg

Comentários

anton1947 disse…
Felizmente, para os cristãos, a nossa fé não é em vão, o socorro vem no tempo de Deus.
Eduardo Medeiros disse…
Me parece claro que os humanos criaram os deuses. Mas criaram porque eles eram necessários. concordo com a tese do seu texto, Rodrigo. como disse Descartes (acho que foi ele) "Se Deus não existisse seria preciso inventá-lo". E nós inventamos...e muitos deuses, cada um com uma cara, cada cultura com seu deus.
É confortador para o crente caminhar na esperança de que o socorro virá providencialmente de Deus. Faz muita diferença no nosso modo de viver
Caro Eduardo, acho que a frase que citou foi de Voltaire.

Mas há um entendimento entre muitos pensadores cristãos de que o homem tem um vazio dentro de si que só pode ser preenchido pela Divina Presença e que, ao se alienar do Único, essa dependência do Criador levaria à criação de deuses. Não sei o que acha disso

Entretanto, cada qual estabelece um relacionamento com o Divino ao seu modo é daí a diversidade de concepções sobre o Uno.