Seria errado colocar os pais numa casa de repouso?




Muitas pessoas de bem, quando chegam a uma certa etapa de suas vidas, deparam-se cedo ou tarde com um preocupante problema: como manter o pai ou a mãe dentro de casa quando um deles, ou ambos, numa avançada idade, tornam-se doentes e passam a depender dos cuidados especiais de alguém?

Nessas horas difíceis, uns permanecem até o fim ao lado de seu genitor e compartilhando do mesmo ambiente enquanto que outros contratam um enfermeiro, ou um ajudante capacitado, para tal objetivo. Porém, há filhos que, por variadas razões, optam pelos serviços de uma casa de repouso, termo que hoje em dia seria mais digno do que o vocábulo asilo.

Ocorre que o fato dos filhos tomarem a decisão de colocar os pais num lar para idosos ainda é muito mal vista dentro da nossa sociedade. Principalmente pelas mentes hipócritas mais julgadoras sempre prontas a atirar a primeira pedra no outro sem nem ao menos conhecerem de perto a realidade fática de cada caso. Muitos até consideram essa atitude como uma violação do mandamento bíblico da Lei de Deus sobre honrar pai e mãe (Ex 20:12; Dt 5:16), o que, no meu ponto de vista, seria uma má interpretação das Escrituras Sagradas.

Como se sabe, há idosos que são mal cuidados em todos os lugares. Uns ficam esquecidos num asilo qualquer enquanto outros encontram-se assim dentro da própria casa! Não recebem um pingo de atenção, são tratados com as mais estúpidas grosserias e nem mesmo ouvem um bom dia ou ganham um beijo de boa noite antes de dormir. Isso quando não têm a aposentadoria subtraída pelos filhos, os quais só querem saber de ter o pai por perto para ficarem com o dinheiro do velho.

Por outro lado, existem aqueles idosos que, por razões éticas e psicológicas mal resolvidas, insistem em ser um peso além da conta para os filhos. Pois, por mais que estes tentem dar amor e carinho na medida das possibilidades, o pai ou a mãe estão sempre a inventar situações preocupantes com a saúde, implicam com o genro ou com a nora, criam dramas emocionais de todos os tipos, fogem de casa sem avisar deixando a família inteira em estado de alerta e não querem de modo algum tentar ser felizes na terceira idade procurando os saudáveis grupos de convivência. Enfim, conscientemente ou não, tais pessoas atentam contra o sossego, o casamento e até o desempenho profissional dos filhos de modo a tornar insuportável o ambiente no lar.

Além disso, há inúmeras situações de doença que extrapolam as condições dos filhos, os quais nem sempre dispõem de recursos financeiros para pagar pelos serviços de um cuidador especializado. E não apenas pode faltar a grana como também tempo, espaço adequado na casa, um mínimo de conforto para todos e ainda aquela dose necessária de atenção. Aí manter o pai ou a mãe dentro de casa numa situação dessas torna-se até algo desumano e irracional.

Ocorre que muitas das vezes os nossos valores morais e religiosos impede-nos de racionalizar corretamente as coisas. O honrar pai e mãe significa antes de tudo a expressão de um princípio amoroso de relacionamento familiar, um mandamento que é via de mão dupla como bem interpretou o apóstolo Paulo ao reconhecer deveres tanto para os filhos como para os genitores (conferir Ef 6:2-4). E aquilo que a Bíblia condena expressamente seria o desprezo do filho (Dt 27:16), algo caracterizado pelo abandono de fato e que costuma ser motivado por ódio, rancor e casos de extremo egoísmo pessoal.

Assim sendo, penso que um idoso hospedado num abrigo pode muito bem continuar amado pelos filhos e netos recebendo visitas regulares. Se as condições de saúde permitirem, os filhos podem, por exemplo, levar o pai para almoçar com eles nos finais de semana, trazê-los para as comemorações religiosas e familiares, estarem presentes em determinados exames e consultas médicas, bem como prestarem toda a assistência necessária. Em tal caso, o pai ou a mãe não ficariam desamparados, mas estariam sendo cuidados pela sociedade e acompanhados dignamente pelos de sua parentela.

Sem dúvida que tudo isso precisa ser bem trabalhado com cada família. Justamente porque a casa de repouso ainda é vista por muitos como um local de abandono e de descarte de pessoas, sendo bom que uma decisão dessas seja precedida do apoio psicológico e até mesmo passar pela orientação do pastor religioso da pessoa. Aliás, a própria igreja/congregação pode desenvolver um ministério especificamente para assistir o público de terceira idade e seus parentes próximos prestando amparo espiritual afim de que o amor nunca cesse entre pais e filhos. Afinal, neste aspecto, pouco importa a forma como que a atitude amorosa vai se manifestar.

Antecipadamente desejo um ótimo fim de semana para todos!


OBS: Foto acima extraída de um site do governo do Rio de Janeiro onde a Secretaria de Estado de Saúde noticiou informações sobre cursos para cuidadores, conforme consta em http://www.rj.gov.br/web/ses/exibeconteudo?article-id=1305933

Comentários

Eu havia publicado este artigo primeiramente em meu blogue durante o mês de fevereiro deste ano e achei que deveria colocar o assunto em debate aqui também.

http://doutorrodrigoluz.blogspot.com.br/2014/02/seria-errado-colocar-os-pais-numa-casa.html

Cheguei ainda a escrever acerca dos cuidadores numa outra postagem de 11/08 deste ano em minha página. Confiram lá:

Os cuidadores domésticos familiares
http://doutorrodrigoluz.blogspot.com.br/2014/08/os-cuidadores-domesticos.html

Um abraço a todos e obrigado aí pela leitura.
Levi B. Santos disse…
Um tema meio complicado, esse que você abordou, Rodrigo, que envolve quebra de laços afetivos entre filhos e pais e vice-versa. A decisão de deixar os pais com cuidadores, tanto pode dar certo, como pode se transformar em um medida infeliz. Eu diria que cada caso tem suas peculiaridades. Tudo vai depender do estado afetivo e psicológico de cada membro da família. Tenho visto pais em idade avançada que se encontram naquela fase de estado vegetativo, continuarem a ser cuidados por parentes próximos. Você falou que "casa de repouso ainda é visto como local de abandono". De certa forma, pais conscientes que não podem realizar as suas necessidades mais prementes, vão se sentir desprezados ou até culpados, ao serem removidos para casa de abrigos. Trata-se de um corte doloroso, que às vezes, pode até apressar a morte do desvalido. Não sei se inconscientemente estou legislando em causa própria na dissecação que por ora faço, pois tenho já 68 anos de idade. (rsrs).
Oi, Levi. Não nego que seja mesmo uma situação bem complicada de se abordar porque há muitos valores, interesses, afetos e emoções em jogo.

Mas vou tentar me colocar na condição de quem já seria idoso e vive na dependência de cuidadores. Bem, se eu tivesse filhos, gostaria mais de vê-los felizes do que escravizados a mim a ponto de terem que sacrificar suas vidas profissionais e familiares por causa de alguém doente e que, pela ordem natural, está se despedindo da vida. Procuraria então desapegar-me o mais rápido possível das coisas materiais e tentaria compreender que cada qual tem a sua jornada neste mundo de modo que prefiro ser bênção e dar frutos à humanidade até minha passagem do que ficar recebendo. Mesmo quando se trata de afetos.

Todavia, falo isso sem estar realmente vivendo uma situação pois, no fundo, o ser humano é emocionalmente carente. E, mesmo se eu pudesse suportar bem a solidão na velhice, não posso exigir o mesmo de meu próximo que ainda não alcançou essa maturidade e aí vejo que o confrade tocou em alguns pontos bem importantes para refletirmos, o que reproduzo a seguir em itálico:


De certa forma, pais conscientes que não podem realizar as suas necessidades mais prementes, vão se sentir desprezados ou até culpados, ao serem removidos para casa de abrigos. Trata-se de um corte doloroso, que às vezes, pode até apressar a morte do desvalido. (Levi)

Ponderando acerca disto, é preciso que se considere as dores da ruptura. Caso um filho necessite colocar os pais num abrigo ou casa de repouso, melhor é que a família busque uma preparação psicológica e evitar fazer a mudança de maneira brusca. Logo, faz-se necessária a conversa com algum terapeuta. Não somente uma consulta, mas várias. E o próprio filho pode também se sentir culpado para o resto da vida pela decisão, tendo dúvidas se fez ou não a escolha certa. Principalmente depois que se tornar órfão e achar que o seu comportamento teria dado causa a uma morte prematura do genitor.

Acho que o debate sobre esses assuntos pode contribuir para que gerações futuras saibam lidar melhor com o envelhecimento. Hoje em dia, já existem aos montes no país os grupos de terceira idade, o que tem sido muito proveitoso para o idoso ainda lúcido poder se ocupar, distrair, lidar melhor com a família e repensar a sua vida planejando o futuro quando suas forças decaírem mais e ele entrar no que alguns já chamam de "quarta idade".

Em tempo!

Acho que para o idoso poder desfrutar da companhia dos filhos sempre será algo bom e proveitoso para todos, inclusive para os familiares de todas as faixas etárias. Trata-se de uma oportunidade de aprendizado entre as gerações, de humanização, de construção da cultura do cuidado e do respeito ao envelhecimento. Aí ter os pais por perto nessa fase de vida certamente fará bem. Mesmo que seja fora de casa onde os filhos possam prestar assistência. Pois há situações em que se torna inviável cuidar em casa por diversos motivos, entre os quais o financeiro e a saúde dos descendentes.
Eduardo Medeiros disse…
Eu vivo algo parecido.
minha mãe está em estado avançado de alzaheirmer, vive deitada e se alimenta agora via uma sonda que foi posta diretamente no estômago. Há 11 anos a doença começou e evoluiu de forma devagar mas agora parece que chegou no seu ponto crítico.

Meu pai sempre cuidou dela diretamente e não aceita que ninguém faça isso por ele, estendido isso aos três filhos. Mas apesar dele ser muito forte e ter uma saúde relativamente boa, já tem 77 anos e a idade começa a pesar.

Eu não moro muito perto dele, mas sempre fico com ela quando ele precisa sair para resolver alguma coisa ou ir ao médico. Eu gostaria que minha mãe estivesse internada em uma clínica especializada, mas temos até receio de sugerir isso ao meu pai.

Sinceramente? Gostaria que Deus levasse logo minha mãe para meu pai descansar. Só não sabemos como isso vai afetá-lo, já que ele é por demais ligado a ela.
Boa noite, Edu!

Acho que quando se trata de cônjuges, a situação muda muito para o relacionamento entre gerações de pais e filhos. Você se consorcia com uma pessoa e esse casamento é para a vida toda. É uma escolha que, em geral, fazemos conscientemente a ponto da Bíblia considerar que "serão dois numa só carne". Logo, é natural e aceitável que um queira até morrer junto com o outro de modo que a viuvez causa uma tremenda perda de sentido para o cônjuge sobrevivente. Algo que os mais novos recuperam mais rápido enquanto os idosos não.

No caso do seu pai, Edu, penso que a opção dele é a que considera ser a melhor para si. E penso que, se há vontade de cuidar da paciente e condições de fazer isso adequadamente para o bem dela, não haverá mais proveito que ela permaneça em casa?

Meu avô paterno faleceu em maio/2005 e teve um quadro não muito diferente do alzaheirmer, tendo sofrido mais em seus últimos seis anos. Como ele era oficial do Exército reformado e seus proventos permitiam à sua segunda esposa o pagamento de quatro cuidadoras (uma a cada turno de 12 horas), mais outra para cobrir férias, foi possível mantê-lo em casa embora tenham sido várias as internações no Hospital Militar de Juiz de Fora. Já com minha avó materna, separada do outro avô há uns 40 anos, eis que, após ter ela quebrado o fêmur em abril/2010, seus últimos dois anos foram bem difíceis até falecer em março/2012, sendo que faltava recursos a ela e à minha mãe para receber cuidados melhores. Seus últimos dias foram no CTI do Gazolla, em Acari, Zona Norte do Rio. Como disse o Levi, cada caso é um caso, sendo certo que, nessas horas, o casamento faz enorme diferença. É algo de Deus mesmo...

Força aí pra vocês e saúde pra sua mãe!
Unknown disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse…
Passo agora por um momento trágico.Cuidei daminha mãe por 13 anos apenas com a ajuda de uma senhora que por lá ficava 4 horas por dia.precisei fazer exames na capital, e para não deixa la lá trouxe comigo , hospedando em hotel geriatrico. Cheguei domingo fim de tarde e na quarta feira 8:00 da manhã ela veio a obito. Mãe perdão , sempre te amei e vou levar esta culpa pela vida.
Caro Marcelo,

Acho que não deve se sentir culpado por esse infeliz acontecimento.

Há situações que fogem mesmo do nosso controle (ninguém consegue prever a morte) e você mesmo tem a consciência de que cuidou de sua mãe. Logo, acho que a pessoa só pode se sentir em débito (ou irresponsável) se ela de fato abandona o outro, o que não parece ser seu caso.

Sinta-se em paz, amigo.

Abraços fraternos.
Patty disse…
Gostwi muito deste blog e seus comentarios. PARABENs. DEUS abebçoe