Absurdidades "Javelianas"







Erich Fromm, em seu livro ― “Psicanálise e Religião” ―, discorre de maneira bem inteligível sobre o desejo
do ativista religioso em querer santificar ou purificar as instituições. O idealista
divino não mede esforços no sentido de por em prática o velho ritual de limpeza
vétero-testamentária.


Segundo Freud, esse ritual neurótico, no
fundo no fundo, não passa de impulsos vindos do inconsciente, cujo objetivo é o
de sempre: tentar esconder, negar ou varrer a “sujeira” (recalques) que reside dentro
de sujeito para longe da percepção do outro, naquilo que ele denominou de Mecanismos de Defesa. Segundo o pai da psicanálise, o que interessa
mais ao exército Javeliano, é o gozo
alcançado pela imposição das doutrinas, não importando que sejam revestidas de absurdidades.


O religioso, inconscientemente, não
raramente, deseja transformar o seu ideal devocional em uma lei que sirva de orientação
para todos.  A essa homogeneização idealista,
ele dá o nome de “Reino de Deus”. Em função desse totalitarismo “divino”, os
que estão no topo de uma agremiação com influência no poder político passam a
formular projetos para superar a maldição ou pecados da sociedade da qual faz
parte.

Recentemente, lendo o artigo, Bancadas de Deus
― tema de capa da “Revista Carta Capital” (edição 745) ―, pude refletir sobre essa ansiedade premente de se coadunar a política aos moldes javelianos do Velho Testamento que,
sem dúvida, pode ser considerada uma sutil ressonância do estilo religioso
ainda em voga no Oriente Médio.

A reportagem da revista, sob o título, “De Grão em Grão”, mostra uma bancada de evangélicos em plena ascensão: a instituiçãodo Exército Guerreiro de Javé já conta com 73 deputados na Câmara, reunidos aos
moldes da sigla APEB (Associação de Parlamentares Evangélicos do Brasil)

No Monte Sinai, a Moisés e ao seu povo hebreu, Javé deu as tábuas da Lei com os Dez Mandamentos. Nos últimos tempos, Ele tem inspirado “maravilhosamente”
os seus profetas a fazerem projetos de lei à moda antiga, como mostra a tabela
abaixo, onde DEZ propostas foram ventiladas não no alto de um Monte, como na primeira
vez, mas em municípios importantes do Brasil e no vasto planalto central de Brasília:




    [A Tabela acima foi publicada originariamente na Revista CARTA CAPITAL N° 745 ]




Por Levi B. Santos
Guarabira, 1° de maio de 2013

Comentários

Caro Levi,

Bom tema este que reproduziu aqui na confraria, mas permita-me apresentar uma posição divergente de um crente que ainda acredita na possibilidade de seguir a Cristo na sociedade.

Quando Jesus teria dito que os seus discípulos são "luz do mundo" e "sal da terra", o Mestre de certo modo apontou para o papel influente da Igreja no meio comunitário. Seus seguidores deveriam transmitir os valores éticos do Reino para as demais pessoas contribuindo para a construção de um mundo melhor. Jesus não veio para fundar uma nova religião. Pode-se dizer que a pregação do Evangelho é o anúncio de uma revolução amorosa.

Pois bem. Diante de tanto desamor, casamentos que se desfazem, falta de compaixão para com o pobre, pessoas sendo humilhadas nos atendimentos dos hospitais do SUS, a violência solta nas ruas e crianças experimentando o crack, a Igreja não pode se calar. É preciso entrar em ação, denunciar o que está errado, propor alternativas e até mesmo fazer ações paralelas ao Poder Público que flagrantemente se omite.

Lamentavelmente, devido a um excesso de moralismo religioso, muitos deputadores e pastores perdem o foco do Evangelho. Passam a propor projetos de lei esdrúxulos como alguns que citou, desrespeitam as liberdades individuais e querem colocar acima de outros valores questões que são de caráter meramente cultural. Há de fato uma preocupação excessiva com a sexualidade das pessoas e intromissões na esfera privada inaceitáveis. Coisas que Jesus não aprovaria por respeito ao livre arbítrio.

Todavia, sou um membro da Igreja apesar de ser um crítico dela. Trabalho para que valores espirituais possam se fazer presentes na atmosfera social brasileira e do mundo inteiro. No caso das leis, entendo que estas não podem apenas refletir a valoração da sociedade que nem sempre é a correta. No surgimento das normas, deve o legislador idealista ter em mente a formatação de um novo país.

Na Sessão da Tarde de ontem passou um filme bem interessante sobre uma história real ocorrida na Irlanda do Sul dos anos 50, país de religião oficial católica sendo até hoje um dos mais atrasados da Europa Ocidental. Lá o Estado e a Igreja chegavam a patrulhar a vida de seus cidadãos a ponto de tomar as crianças do convívio dos pais de conduta duvidosa afim de serem educadas por instituições religiosas. Um pai desempregado, cuja esposa o havia deixado, entrou numa dolorosa batalha judicial tendo que enfrentar as leis do país para ter de volta os três filhos que estavam em orfanatos da Igreja. Foi perdendo em todas as instâncias até reformar o julgamento na Corte Suprema do seu país e conseguir uma interpretação das normais segundo valores da Constituição.

Continuando...


Contudo, esses são excessos que podem ocorrer em qualquer sociedade e o Estado laico também não estaria isento de suas absurdidades. Uma delas seria a marginalização de um enorme contingente populacional no Brasil. Nem sempre o Estado religioso ameaçou as liberdades individuais, mas promoveu o fortalecimento de uma cultura sólida capaz de superar inúmeras situações adversas. Uma educação religiosa nas escolas, por exemplo, ajuda a orientar a formação do caráter das crianças. E, sendo assim, estou de acordo com dois projetos de legislativos que citou:

1)"Lei do Pai Nosso": Acho ótimo que, numa escola, as crianças sejam ensinadas desde cedo a rezarem como uma oportunidade (jamais seria obrigação). Penso, inclusive, que os professores poderiam ensinar sobre a Bíblia e haver aulas de catequese cristã. Mas tendo em vista que, dentro de uma escola, pode haver crianças de religiões diferentes, poderia haver como um substituto aulas de consciência ética e espiritual. Aí o professor falaria um pouquinho de cada assunto.

2)"Lei do versículo": Tendo em vista que as Escrituras Sagradas têm grande peso na formação da nossa cultura e importantes valores, por que não haver uma leitura de passagens bíblicas em cada sessão. Bom seria se, por uns poucos minutos, um pastor fosse convidado para abrir as sessões do órgão pregando e orando. Seria uma chance para muitos parlamentares e o público presente refletir sobre a política com elevação espiritual.

Por que não? Será que o Brasil não pode ser um Estado laico mas que tolere e incentive a cultura religiosa? Não podemos nos esquecer que Deus está no preâmbulo da nossa Lei Maior!

Quanto às demais propostas que citou, algumas delas sou contra. A questão das camisinhas é uma flagrante estupidez porque, quer aceitemos ou não, a promiscuidade sexual é um fato da sociedade e o Estado não pode ignorar que adolescentes já fazem sexo entre si e com adultos. Logo, se pretendemos evitar o aumento da AIDS, é importante facilitar o acesso de todos aos preservativos. Já o Dia do Macho, pode-se pensar em coisas mais sutis como o Dia da Família, bastando que a sociedade e suas autoridades valorizem o casamento como deve ser. Aliás, sou amplamente favorável à criação do Ministério da Família, o que deixo para compartilhar posteriormente.

Abraços.
Levi B. Santos disse…
Rodrigo

Como o “pai simbólico” é expresso em linguagens diferentes pelas diversas religiões, acho difícil que um projeto para instituir a “Oração do Pai Nosso” possa ter êxito.

As Assembléias de Deus em vários municípios do Brasil já têm tentado projetos no sentido de tornar obrigatória a oração antes da aula, não sei com que propósitos (Se vier da lavra do fundamentalista Feliciano, o negócio já degringola) rsrs

“Em abril, lei semelhante foi suspensa pela Justiça baiana em Ilhéus (a 413 km de Salvador). A decisão da Justiça ocorreu após o Ministério Público entrar com ação contra a lei, sob o argumento de que ela é inconstitucional.

O presidente da Associação Brasileira de Ateu e Agnósticos (Atea ), já andou comemorando a não aprovação do projeto de lei. “Só devemos lamentar que foi necessária uma ameaça do Ministério Público para os vereadores se conscientizarem da inconstitucionalidade da iniciativa”, afirmou o presidente da ATEA



FONTE: http://www.verdadegospel.com/vereadores-rejeitam-oracao-do-pai-nosso-em-escolas-no-parana/
Levi B. Santos disse…
(continuando)


“O bispo Tarcísio Scaramussa (foto), do setor de universidade e ensino religioso da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), afirmou que “a oração é um diálogo livre e amoroso da pessoa ou da comunidade com Deus” e que, por isso, “não faz sentido obrigar uma pessoa a rezar”.

Acrescentou que a Igreja Católica é contra “a discriminação por motivo religioso” e que deve haver “respeito às crenças ou à descrença”.

A afirmação foi feita por Scaramussa à Folha de S.Paulo a propósito do estudante ateu (Ciel Vieira) de uma escola estadual de Miraí (MG) que se queixa de ter sido hostilizado pela professora católica Lila Jane de Paula, que costumava iniciar suas aulas com um pai-nosso. Na versão do estudante, professora, ao perceber que ele não estava rezando, disse para a classe que “jovem que não tem Deus no coração nunca vai ser nada na vida”.


Link da matéria: http://www.paulopes.com.br/2012/04/cnbb-afirma-que-escolas-nao-podem-impor.html#ixzz2gmfLEZYo


Para agradar a gregos e a troianos, seria melhor que os vereadores ativistas religiosos propuséssem dois minutos de silêncio, antes da aula para cada um ligar-se com os conteúdos do seu inconsciente.

No silêncio e de olhos fechados as subjetividades não aflorariam. O silêncio funcionaria como a escuridão da noite que deixam todos os gatos pardos (rsrs)
Caro Levi,

Apesar das inúmeras religiões existentes no mundo, a nossa cultura é cristã. Precisamos fortalecê-la! Claro que sem obrigar as demais pessoas a aderi-la coo bem explicitou o bispo católico em sua citação nos comentários acima.

Penso que a oração do Pai Nosso nas salas de aula não deveriam ser obrigatórias para os alunos e nem para os professores que optarem por não rezá-la. Contudo, deve ser uma oportunidade para que a turma, ou a escola inteira, faça uma prece comunitária conforme nosso Senhor Jesus Cristo nos ensinou.

Sobre a sua proposta dos dois minutos de silêncio, considero bem propícia. Ao final, o professor, ou o orientador, faria a oração na escola. Convidaria quem desejasse para participar, sem nenhuma coação ou perseguição. Isso não seria imposição de modo algum.

No caso da atitude da professora, certamente ela se excedeu. Ou melhor, ela se equivocou perdendo o bom senso. Eu, todavia, penso que como cristão devo levar o Evangelho de Cristo a toda criatura e que mais importa obedecer a Deus do que aos homens. E, se agrada a Deus que um professor convide seus alunos para a oração, ele deve lutar por isso dentro da instituição de ensino e da sociedade.

Abraços.
Em tempo!

Certamente que há maneiras mais inteligentes de se transmitir o propósito do Evangelho de Cristo do que instituir uma lei para que a oração do Pai Nosso torne-se obrigatória em escolas. Num colégio de budistas, por exemplo, os pais vão preferir que os filhos entoem mantras orientais. Já numa escola muçulmana, seria a recitação do Corão.

A meu ver, se a lei autorizar que professores e diretores façam a oração do Pai Nosso já comemoraria o avanço. Acho que basta a permissão para que amanhã o Estado não queira proibir a evangelização de crianças.

O que acha?
Eduardo Medeiros disse…
Rodrigo, orar o pai-nosso antes das aulas não vai fazer a mínima diferença em coisa nenhuma. Sou contra tal lei. como algo tão que deveria ser espontâneo e estritamente pessoal pode ser estabelecido por uma lei? Não vivemos mais nos tempos em que o clero ditava as normas do executivo.

Muito mais interessante para os jovens de hoje em dia, tão imersos numa cultura de violência e desrespeito, seria a escola trazer temas de reflexões sobre cidadania, respeito, empatia, solidariedade, ética, e até mesmo, espiritualidade, mas sempre abordada sem enfoques religiosos.

Levi B. Santos disse…
Também concordo que a oração, a percepção transcendental ou “sentimento oceânico” (de Boff), é algo de foro íntimo.

Penso eu, que o espaço público onde há pessoas de vários credos e sem credos não é lugar adequado para recitação de rituais religiosos.

A aplicação dessa lei só vai dar confusão, como foi o caso da fervorosa professora que pensou está fazendo o correto, ao dizer a sua “verdade” para um que não estava rezando: “jovem que não tem Deus no coração nunca vai ser nada na vida”. (rsrs)
Caro Eduardo,

Acho que nem eu e nem você podemos de antemão dizer se vai ou não fazer alguma diferença. EM vários casos, sim. Em outros, porém, não.

É certo que o Mestre nos ensinou o Pai Nosso como uma oração modelo. Não algo para ser repetido. Mas muita gente viu significado em recitá-lo no decorrer dos séculos.

Obrigar as crianças a orarem não fará bem, mas estimulá-las como ocorre nas escolas bíblicas dominicais penso que em muitos casos (não em todos) faça algum efeito. Assim, se a lei obrigar os alunos a rezarem, estará errado.

Concordo sobre os temas de reflexão que propôs, mas por que não permitirmos que algum professor ensine e convide seus alunos a orarem?
Prezado Levi,

Talvez o projeto de lei possa ter alguma modificação, certo? Como havia lhe respondendo antes, e se a lei apenas autorizar que professores e religiosos ensinem e convidem seus alunos para a oração?

Você diz que "o espaço público onde há pessoas de vários credos e sem credos não é lugar adequado para recitação de rituais religiosos". Porém, eu me sentiria até perseguido se, numa escola, eu fosse proibido de falar da Bíblia com os alunos e de convidá-los para uma oração. E se fosse professor, acho que enfrentaria as ordens do diretor, do secretário de educação, do promotor de justiça e do juiz para pregar o Evangelho às crianças. Todavia, há uma diferença enorme entre fazer isso pela via da espontaneidade e causar um tipo de assédio/coação como teria agido a tal professora de Minas Gerais.

Realmente o texto do projeto legislativo pode e deve ser revisto, mas nunca deve ser proibida a evangelização numa escola pública.
Levi B. Santos disse…
Rodrigo


Mas a professora cristã de Minas Gerais, simplesmente repetiu o que lhe foi ensinado - e que todo pastor prega nos cultos públicos de suas igrejas.

Acho que todo crente conhece de cor e salteado o hino do velho cantor Luiz de Carvalho, que diz no início de sua primeira estrofe:

“Quem tem Jesus tem tudo, quem não tem não tem nada” (rsrs)
Caro Levi,

Não nego que até a liberdade de pregação religiosa em escolas púbicas traria problemas desse tipo. Nem todos os crentes sabem agir com sabedoria. Neste domingo mesmo, um radical por considerar a Teologia como sendo "coisa do diabo" chamou-me de "filho de Lúcifer".

Religiosos radicais, preconceituosos e autoritários existem aos montes em vários lugares e não se restringem a esta ou aquela tradição. Há também judeus, muçulmanos, hindus, budistas e até mesmo ateus que agem assim. Quem garante que não existam professores ateus ou agnósticos capazes de perseguir alunos crentes?! E posso dizer que tais situações acontecem com uma tremenda arrogância.

Verdade é que o problema maior está na intolerância e no comportamento das pessoas. Quando elas se tornam líderes de uma igreja/seita, influenciam outros a serem como elas, o que acaba sendo trágico. Só que todo esse conflito tende a continuar e não seria proibindo de se falar em religião nas escolas que vamos criar um mundo melhor. Aliás, vejo que a falta de espiritualidade no mundo tem sido uma das causas de sua ruína.

Sobre a frase do citado cantor evangélico, se não a interpretarmos fora da literalidade, hei de reconhecer que é algo bem proselitista. Nada sábio para ganhar almas porque apela para a coação e pode ser entendida com preconceitos por quem não é cristão.