A aceitação total ao invés do afeto condicional

Tem-se constatado que muitos dos transtornos emocionais das pessoas têm originem num "amor condicional" praticado no meio familiar. Se é que podemos chamar de amor uma atitude de aceitação que se baseie na constatação de resultados como podemos observar na concepção legalista da divindade muito bem expressa pelo autor sagrado quando escreveu sobre Caim:

"Se procederes bem, não é certo que serás aceito?" (Gênesis 4:7a; ARA)

Essa história bíblica sobre o primeiro homicida da humanidade tem muito a nos ensinar acerca da carência emocional que temos. O filho mais velho do casal expulso do Paraíso, tido como o arquétipo dos homens maus, representa o adulto imaturo refém do próprio sentimento de rejeição. Alguém que tentou agradar, não conseguiu baseando-se unicamente no seu auto-esforço e, enfim, se decepcionou com a Vida.

A psicóloga Elisa Goulart, em seu livro Viver sem drogas: um projeto reeducativo para o homem, 1ª edição, publicado por uma editora espírita, vem nos falar sobre a pobreza afetiva existente na sociedade que subjaz ao nosso nascimento e aborda aspectos importantes dessa tragédia fazendo menção das exigências de comportamento perfeccionista que os pais e tutores impõem à criança, perpetuando um longo ciclo geracional. Trata-se, segundo ela, de uma "ditadura do acerto" capaz de produzir vergonha e culpa, caso as expectativas paternas não sejam correspondidas:

"Nas famílias em que o amor está sujeito a todas essas condições, existe um vazio emocional que tenderá a ser preenchido com metáforas de afeto para que o indivíduo se reintegre como pessoa. Neste particular, evidenciamos o uso de objetos de compulsão. O amor condicional é a base do empobrecimento emocional familiar, impedindo que a família cumpra seu papel de espaço de crescimento (...) Nossa ansiedade, o medo da rejeição ou da opinião alheia, a baixa auto-estima, são os pontos que precisam ser administrados para alcançarmos êxito na tarefa de educar. Precisamos investir em nosso crescimento pessoal para desfazer as distorções sobre nossa realidade íntima, buscar o auto-perdão. O grande empreendimento é desacreditar das verdades sobre nós na infância (...) Para a libertação é necessário usar paciência e tolerância com ferramentas que auxiliarão a sentir e expressar amor. Em verdade, diante da indigência afetiva, o amor se perde na dor de muitas gerações. Como defesa, criamos estratégias de luta e sobrevivência, que distorcem o afeto e mais machucam do que curam" (págs. 51-53)

Sem nenhuma pretensão religiosa ou proselitista, eu creio que o Evangelho de Jesus Cristo é resposta para tudo isso  como bem tem decifrado o festejado Augusto Cury e inúmeros outros terapeutas cristãos das mais diversas tendências nem sempre tão divulgados.

Há 2000 anos atrás, o homem de Nazaré veio ensinar ao mundo a sua arte de amar. Num contexto histórico-social repleto de atrocidades, Jesus inaugurou um processo de transformação da humanidade para ser alcançado no decorrer de muitas gerações. Em suas andanças pelas aldeias poeirentas da Galileia, acolhendo pessoas e transmitido seu ensino na forma de parábolas, o Mestre estava estabelecendo os princípios basilares desse novo tempo que chamou de "Reino de Deus".

Aderir ao projeto amoroso de Jesus significa reconhecer a gratuidade da vida. É aceitar o perdão dado imerecidamente por Deus, aplicando-o também a todos os que nos ofenderam, inclusive aos nossos pais quando estes abusaram da fragilidade que tínhamos lá nos primeiros anos da infância. E, ao invés de descarregarmos essas frustrações sobre a geração seguinte, buscaríamos educar os sentimentos e condutas.

"aquele que diz permanecer nele, esse deve também andar assim como ele andou" (1 João 2:6)

Nesta caminhada deve-se ter cautela para não toparmos na mesma pedra da incompreensão legalista na qual tropeçou Caim, o qual jamais soube se abrir para as oportunidades que lhe foram oferecidas. A convocação de Jesus para mudarmos o mundo a partir de nós mesmos faz parte de uma pedagogia graciosa na qual o aperfeiçoamento ético é exercitado pela reconstrução diária de nossas vidas entre erros e acertos. Algo que, insisto dizer, tende a se refletir no trato estabelecido com o outro.

Atualmente, através da Psicologia e das demais ciências, o homem dispõe de ferramentas para levar adiante a revolucionária proposta apresentada por Jesus. Devemos tratar de nós mesmos, dos nossos familiares (principalmente por uma educação sem traumas dos filhos menores), revermos os valores das escolas, bem com o das demais instituições, e dessa forma, pregarmos o Evangelho a toda criatura. E, obviamente que, quando falo de evangelização, não me refiro às velhas práticas proselitistas ineficazes adotadas por aí em várias congregações cristãs, as quais estão baseadas numa hedionda coação psicológica e não no amor.

Acredito que, como bem nos ensina Jesus, somos aceitos por Deus com todas as nossas compulsões e falhas de caráter. Esse acolhimento que ocorre na pessoa do Mestre é amplo e irrestrito. Ele jamais nos abandonará! Nosso poder aquisitivo, grau de instrução, posição social e até mesmo a reputação moral não importam. Se cometermos erros, ele estará do nosso lado para estender suas mãos e nos levantar. Não seremos rejeitados.

"e o que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora" (João 6:37b)

É dentro dessa visão que precisamos levar adiante essa pedagogia do amor como bem expôs a psicóloga Elisa no seu livro:

"O pensamento pedagógico tem se encaminhado à pedagogia do amor. Existem mais educadores falando de afeto, de sensibilidade e autonomia (...) Através do amor, seremos estimulados a olhar para dentro de nós, sem medo... Através do amor, nos perceberemos pessoas especiais... Imersos no amor estaremos aptos a fazermos boas escolhas (...) A educação tem sido utilitária; estuda-se para ser médico, professor, advogado ou psicólogo. E o homem? Onde está a pedagogia voltada para o crescimento do ser humano, tornando-o apto para tomar posse do reino de consciência? (...) Precisamos nos esforçar para nos libertar da herança do autoritarismo e da punição como condição de educação, e, para tal, teremos de fazer uma grande revolução. A pedagogia do amor é revolucionária (...) Como sugestão de um projeto para o homem viver sem drogas, deixamos o exercício que estamos fazendo: conhecer o mecanismo da paixão e compulsão; aceitar as fraquezas e limites pessoais; reconhecer os talentos; autoperdoar-se; conhecer o porquê da vida... E dar continuidade" (GOULART, Elisa. Op cit. Págs. 228-230 e 237)

Que possamos mesmo dar continuidade ao que nosso Senhor Jesus Cristo começou quando deixou as águas batismais do Jordão e se pôs a anunciar com simplicidade a chegada do Reino. Pois, mesmo que eu não veja com estes olhos a tão aguardada transformação ética planetária, espero que, em algum lugar do futuro glorioso, uma geração olhe para trás e se lembre daquela pequena semente do tamanho de um grão de mostarda um dia plantada na aridez do coração humano.

Comentários

Marcio Alves disse…
Entendo que o amor, por mais bonito e "amoroso" que seja, sempre se é condicional e egoísta - para não se estendermos demais, cito como base e a nível de apenas um exemplo o amor de um pai para SEU filho, porque ele é justamente "SEU" filho - e também que o ser humano ama os SEUS e reserva uma parcela do seu ódio para o outro desconhecido (Freud), e que na era da pós-modernidade que é marcada pela perda de ideias e referenciais, (ninguém mais quer morrer pela pátria) estamos experimentando uma onda crescente de um numero cada vez maior de pessoas se voltando para a família como sentido último de sua existência, o amor ao próximo, ao outro desconhecido, que nos é estranho, continua sendo uma utopia.
Nobre Amigo Rodrigo,

Parabéns pelo seu texto. Dei uma leve espiada agora, mas já estou de saída, e então não poderei realizar uma análise mais concreta. Mas retornarei.

Nobre amigo Marcio,

Afirmar que o amor "continua sendo uma utopia", me parece meio que equivocado. Mas entendo que deva ter seus motivos pessoais para assim o perceber. Eu vejo o amor, como uma decisão, partindo de premissas segundo o ensinamento que se baseia na vida do Nazareno.

É claro, que em uma escala como se é anunciado por aí, e na esfera em que se argumenta sobre amor, ele acaba por possuir todas as características necessárias para que se torne utópico.

Enfim, um papo que vai longe, e como já antecipei, estou de saída. Até mais.

Fraterno abraço!
Levi B. Santos disse…
Rodrigo


Acho que o seu texto vai render muito. (rsrs)

Há quem considere que até no meio religioso, o amor é interesseiro, na medida em que amamos a Deus a fim de que ele nos dê uma recompensa.

Como você vê, Rodrigo, a metáfora da corrida olímpica que o apóstolo Paulo usou?: o atleta se esforça por um lugar no pódio.

“...espero a coroa de louros da justiça que o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia.” (Saulo de Tarso)

Na sua visão, esperar uma recompensa após a morte, pelo sacrifico realizado em vida, pode ou não, ser considerado um forma de amor condicional?
Eduardo Medeiros disse…
Rodrigo, ótimo tema. Precisamos sem dúvida, falar mais de amor. Mas deixa eu matutar umas coisas: Sobre sua frase:

"Se é que podemos chamar de amor uma atitude de aceitação que se baseie na constatação de resultados

Será que quando um pai exige alguma do filho para que ele venha a ter algum benefício por parte do pai seria um "amor equivocado", um "amor condicional" ou isso seria apenas um modelo de ensinar à criança algumas coisas que ela precisa aprender? Seria errado o pai prometer uma bicicleta ao filho se ele passar de ano? onde fica a meritocracia? o amor incondicional é incompatível realmente com essa atitude?

Bom, eu tenho minha ideia sobre isso, mas estou lançando a questão aos confrades.

por enquanto, paro por aqui; seu texto é rico, e merece ser saboreado aos poucos...rss
Olá, Márcio.

Inegavelmente, suas constatações são baseadas no amor limitado que seus olhos podem ver. Mas eu creio que o nosso amor não pode ser comparado ao amor de Deus. Porém, nossa mente também é incapaz de compreender o amor divino e, nesta tentativa, não raramente nos frustramos com as concepções que criamos acerca do Grande Arquiteto do Universo.

Neste texto que postei aqui na confraria, estou focando justamente num erro que muitos pais cometem no amor que ministram aos seus filhos. Ou seja, quando tornamos este afeto condicionado a resultados que as crianças alcançam. Quando estabelecemos no interior do lar uma relação que chega a ser de troca tip:

"Menino, vê se tira notas boas na escola pra que seu véio fique feliz com você".

Pergunto. Será que não poderia ser diferente?

"Menino, estude para tirar boas notas na escola para o seu próprio bem. Mas saiba que, independente do resultado que você tiver, seu pai continuará te amando".

Neste texto, Márcio, já fico satisfeito que possamos melhorar a qualidade do nosso amor em relação aos que conseguimos amar. Pois, se muitas das vezes fracassamos no cuidado das crianças (como pais ou tutores quem garante que não estamos traumatizando-as), como será amado o estranho? Como bem colocou, citando Freud, acabaremos odiando o desconhecido por mais que alguns de nós neguem.

Abraços.
Caro Matheus,

Aguardarei suas ricas contribuições a este assunto.

Também vejo o amor como uma decisão, não se resumindo a um simples sentimento. A escolha consciente de amar deve ser feita muitas das vezes contrariando as emoções. Daí a necessidade de nós as educarmos para que possamos nos tornar instrumentos do amor divino.

Aproveitando o que disse ao Márcio, faço a indagação:

Como amaremos o estranho?

Sem dúvida que este amor não será baseado nas emoções. E se for em relação ao inimigo mais ainda.

Valeu!
Concordo contigo.

Muita gente confunde a alegria na eternidade como uma relação de troca. Seja em relação à salvação ou ao galardão/prêmio que os cristãos mais corajosos receberiam no céu.

É certo que a Igreja Primitiva não ficou isenta desses erros e as ameaças nas cartas às sete igrejas do Apocalipse deixam bem claro o sentimento de coação que dominava aqueles antigos cristãos da Ásia Menor.

Infelizmente, muita gente até hoje lida com a sua vida dessa maneira. Uns confessam expressamente que querem ser bons meninos para irem pro céu. Já entre os reencarnacionistas, há quem trabalhe para livrar-se da roda das reencarnações ou ter uma outra série existencial mais feliz. Quem sabe nascendo mais rico ou sem problemas de saúde?

No entanto, faço menção da resposta que dei ao Márcio no exemplo que citei, direcionando-a para a nossa relação com Deus:

"Menino, estude para tirar boas notas na escola para o seu próprio bem. Mas saiba que, independente do resultado que você tiver, seu Paizão Celestial continuará te amando".

Eu diria que a escolha do bem é o sentido da vida!

São coisas que, por estarem tão intimamente ligadas, são encontradas no "mesmo pacote". Pois para o homem maduro, praticar a justiça não se torna mais um mandamento paterno, mas ele passa a ver como o próprio Caminho da Vida, o Tao de todos nós. Ele já não vê sentido em tirar proveito da infelicidade do seu próximo para construir a sua própria felicidade. O bem do outro passa a ser o dele também numa relação de equilíbrio que é inclusiva e consciente.

Neste sentido, acho que Paulo e até mesmo as cartas às sete igrejas do Apocalipse acabam sendo re-significados e lidos de uma outra maneira que supera o contexto imaturo dos cristãos antigos. Aí "a coroa de louros da justiça" já deixa de ser amor condicional. Praticar o bem (desinteressadamente) torna-se ago bem superior do que a coroa corruptível dos atletas.

Quem sabe Paulo não queria que seus leitores entendessem de uma maneira mais madura as coisas espirituais mas, como um bom pedagogo que era, não precisou do uso de limitadas metáforas?
Este comentário foi removido pelo autor.
Nobres Amigos Confrades,

“Quando eu soltar a minha voz, por favor, entenda
Que palavras por palavras eis aqui uma pessoa se entregando
Coração na boca, peito aberto, vou sangrando
São as lutas dessa nossa vida que eu estou cantando
Quando eu abrir a minha garganta, essa força tanta
Tudo que você ouvir, esteja certa que eu estarei vivendo
Veja o brilho dos meus olhos e o tremor das minhas mãos
E o meu corpo tão suado, transbordando toda raça e emoção
E se eu chorar e o sal molhar o meu sorriso
Não se espante, cante que o teu canto é minha força pra cantar
Quando eu soltar a minha voz, por favor, entenda
Que é apenas o meu jeito de viver
O que é amar...”

Gonzaguinha

Voltando a questão de ser ou não utópico “amar”.

Freud em uma de suas cartas a Jung disse que, “a psicanalise era em essência uma cura por meio do amor”. Porém Freud tinha a noção de amor, um tanto diferente dos moldes habituais e que estamos acostumados a encontrar. Para ele, o amor estava ligado a todo o nosso comportamento, que consciente e inconscientemente resumem o que consideramos nossa ética.

Para ele, amor, era ter muito claro na mente que o sofrimento é algo inerente a natureza humana, e que de maneira alguma podemos evitar o que é de cada um, seja quem for, filho, esposa, pai, mãe, seja qual for o laço, o máximo que podemos fazer em relação ao sofrimento alheio é acompanhar, e encorajar. E isto é amor, podendo proporcionar cura. Logo, não é utópico, mas real. Utópica é a ideia de alcance, tipo, dizer que amamos todo o mundo, os estranhos e até os inimigos, e não o amor em si.

Pois penso eu que alguém dizer que ama o estuprador d filha, ou o assassino do filho é um tanto quanto “utópico”. Mas não anula a realidade do amor em si. Pois continuamos a amar os nossos, e os que fazem parte do nosso meio. Aqui, parece que retornamos a relatividade do conceito “realidade”, e podemos então considerar mais do que uma hipótese, mas sim diversas hipóteses. Agora se declarar o amor “utópico”, ao meu entender, crio um ideia “absoluta”, e diante do absoluto não muito o que argumentar.

Fraterno abraço!
Nobre Amigo Eduardo,

“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos”

Fernando Pessoa

Este tema é um convite a quebra de paradigmas, uma ruptura com o tradicional, o habitual, um conflito entre o que aprendemos desde o berço, na escola, na academia e no decorrer da vida em sociedade. Temos uma ideia de amor baseada e respaldada culturalmente na “moeda de troca”. Principalmente no meio cristão, onde somos levados a amar “inconscientemente” pelo desejo de estar com Cristo, e não pela necessidade de conviver bem. Não diferente o pai, faz do seu amor pelo filho, uma moeda de troca, onde o comportamento do filho quando agradável ao pai resulta em caridade, um presente, uma recompensa. Tudo isso é de certa forma cultural, e nos colocará em conflito no decorrer deste bate-papo, disto eu não tenho duvidas. Você pergunta:

“Seria errado o pai prometer uma bicicleta ao filho se ele passar de ano? onde fica a meritocracia? o amor incondicional é incompatível realmente com essa atitude?”

Penso que não (ideia particular). Não sei se no caso da “meritocracia” seria correto associar o amor em seu sentido mais amplo, ou seja, no sentimento de que Paulo tenha falado em I Corintios 13 (para mim uma das maiores definições acerca do amor e que pode sim ser exercitada no meio em que estamos inseridos). Pois o pai na esperança de extrair o melhor do filho e de seu potencial em determinadas áreas, lhe oferecer uma recompensa, é para mim natural, o estimula e encoraja diante das dificuldades que irá encontrar.

É obvio, que o diálogo franco, e o esclarecimento da importância de algumas coisas é fundamental. Pois uma criança ou um adolescente, que sua formação esta baseada somente em "negociatas", tende a ser um adulto carente, e com tendência a comportamentos depressivos e materialistas, pois irá levar consigo essa imagem, a de que tudo é uma "moeda de troca". Enfim, volto a bater na tecla do "equilíbrio". Penso ser esta a chave. Por isso a comparação de Jesus com o sal. Quando demais, estraga o alimento, quando pouco o deixa sem sabor, é necessário sempre usa-lo na medida certa.
Ótima cutucada, Edu!

No entanto, vejo essa promessa de dar a bicicleta para o filho algo falível. A própria meritocracia é também um erro porque acaba se tornando incompatível com a ideia de gratuidade do amor.

Por que um pai deve dar uma bicicleta ao seu filho?

Bem, eu vejo aí várias razões positivas: seria para alegrar a criança, estimular hábitos saudáveis, proporcionar-lhe entretenimento, exercício, mais convívio social, etc. Mas, se for para incentivá-lo a passar de ano, ele estará fazendo um grande mal pedagógico. Isto porque a criança jamais vai compreender por que precisa estudar. E, afim de obter aprovação na escola e ganhar o presente do papai, o moleque poderá até colar.

Ainda que o pai concedesse a bicicleta porque observou o esforço do filho em estudar, mesmo a criança tendo ficado de recuperação ou reprovada, ele estaria privando o filho de aprender o motivo de estar numa escola e a verdadeira razão de ser amado.

Assim, o ideal seria o pai dar a bicicleta tendo por base que chegou o momento do filho ganhar aquele presente conforme a idade da criança. É certo que, se o uso da bicicleta for causa de uma vida estudantil relapsa, aí já seria diferente. Com um bom cuidador, o pai não deve dar ao seu filho algo que vá prejudicá-lo. Mas, se o presente nada tem a ver com o desempenho escolar, não se pode condicionar uma coisa a outra.

Mas aí somos remetidos para uma outra questão:

Como incentivar um filho a ter gosto pelos estudos e a melhorar o seu rendimento nas aulas?

Sem nenhuma pretensão de respondê-la conclusivamente (se soubesse a resposta, escreveria um livro e ficaria rico), eu diria que o grande desafio estaria em fazer alguém gostar de algo que não é nada agradável. Antes de mais nada, o pai não pode esquecer de que o ambiente escolar é entediante, bitolador, cheio de falhas e traumático. Muitas vezes as crianças estão desaprendendo sobre a vida ali e o que o sistema tem feito mesmo é empurrar conteúdo para o Brasil subir na colocação do Ideb e a juventude passar depois na prova do Enem. Falta prazer de estar na sala de aula e aí o único jeito é trabalhar a consciência do educando para que ele encare tudo aquilo como um desafio, tenha metas de vida, deseje ser útil para a sociedade.

Entretanto, ainda que o pai não estabeleça a relação de troca, ele deve reconhecer as atitudes positivas do filho. Se o menino está se dedicando aos estudos, independente da nota que ele tirar, deve o pai elogiá-lo. Pode ser que, no começo, a criança ainda vá entender o elogio como troca, o que é natural porque as palavras paternas de aprovação preenchem o anseio do pequenino por afeto. Só que a repreensão também pode ser afetuosa, pedagógica e motivadora sem gerar atitudes interesseiras.

Porém, o que podemos esperar de pais egoístas, alienados, sem amor verdadeiro pelas crianças e que encaram a vida pensando em si próprios? A realidade que vejo são pais que nem ligam se filho está indo bem na escola ou não. Quando muito querem só ver as notas e olhe lá.
Matheus,

Não podemos nos esquecer que um pai, ao prometer um presente condicional ao filho, estará ele de alguma maneira perpetuando o que teriam feito com ele no passado. Seja na casa de seus genitores (dos avós da criança), na empresa em que trabalha/trabalhou ou quem sabe até na própria escola onde estudou. Contudo, propostas deste tipo são atalhos enganosos. O pai poupa tempo, faz com que o filho alcance o resultado imediato da aprovação e se satisfaz com o fato da criança estar avançando no caminho da futura profissionalização. Aí ele acaba sendo controlado pelo medo de não querer que seu filho vire população de rua como se a inclusão no mercado de trabalho fosse a principal coisa a ser satisfeita nesta vida e depois vem o desenvolvimento de outras qualidades, do próprio gosto pelo conhecimento e da espiritualidade. Não raras vezes, tem pais que vão até às escolas de seus filhos querendo que a professora ou a diretora dê um jeitinho pro menino não repetir de série.

Pois isso, sou um tanto radical com essas relações de troca. Coisas assim parecem gerar conflitos com o Evangelho da Graça no qual eu creio e prego. Prometer a bicicleta "estimula" e "encoraja"? Não nego que sim, mas como fica a situação emocional de uma criança que, por algum motivo, não conseguiu realizar a vontade do pai? Chega o Natal e ele vai ficar sem a bicicleta porque não conseguiu passar de ano de modo que ficará mais difícil ainda motivá-lo

A citação de Fernando Pessoa que fez, assim como a referência a primeira epístola de Paulo aos Coríntios chegaram em boa hora e vêm complementar o que estou propondo. É preciso rever a educação das nossas crianças e a maneira como nós lidamos com a vida. Não sou psicólogo e nem pedagogo, mas sou um cidadão comum que crê em Jesus como o Cristo que veio ensinar ao mundo a arte do amor. E, pelos textos dos Evangelhos, percebe-se a atenção do Messias com as pessoas que não mereciam nada que eram as "ovelhas perdidas da casa de Israel". Com suas parábolas aprendemos que o bom pastor deve se importar. Daí Jesus voltar-se para a inclusão dos publicanos e das prostitutas, bem como das demais pessoas marginalizadas pela sociedade de seu tempo.
Levi B. Santos disse…
“...O filho mais velho do casal expulso do Paraíso, tido como o arquétipo dos homens maus. “


Não sei se sua frase acima, Rodrigo, poderia ser entendida de outra forma. Como essa inversão, por exemplo:

“Na história mítica do filho mais velho do casal expulso do Paraíso, tido como o ‘arquétipo do mal’ do homem”.

Por essa ótica psicanalítica, CAIM, seria aquele arquétipo que temos em nosso interior ou psique, que nos faz não se sentir aceito.

O trecho abaixo, pinçado de um ensaio que postei no meu blog em janeiro de 2012, sob o título ― “Acolhendo o Caim e o Abel Interior” ― realça bem onde quero chegar :

O mito de Caim e Abel revela, acima de tudo que esses dois irmãos representam os pólos antagônicos da alma humana. A imagem iluminada de Abel fazia sombra em Caim. Caim só tinha um caminho: acolher a sombra de Abel refletida no espelho de sua alma, até por que tentar eliminá-la, destruindo-a, seria seu próprio suicídio. Já dizia o ensaísta francês, Maurice Blanchot: “quem encontra o OUTRO (o diferente) apenas pode-se dirigir a ele pela violência mortal, ou pelo dom da palavra em seu acolhimento”.
Exato, Levi!

Caim e Abel estão dentro de nossa mente, como bem colocou.

Recordo que, sendo ainda adolescente, sentia repugnância de Caim todas as vezes em que assistia o clássico filme A Bíblia, mas não esquecia que eu sou também o filho mais velho entre meus irmãos nascidos de minha mãe. No fundo, seria apavorante imaginar um destino semelhante ao do amaldiçoado Caim e que ainda foi tatuado com um sinal em sua testa...

A verdade é que, quando Caim matou Abel, fez um mal a si mesmo. Realmente aquele desejo maligno foi contra ele mesmo, contra a Vida que há em todos os seres e reconhecida na metáfora do ar. E realmente o homicida que segue o exemplo mítico de Caim acaba sendo também um suicida. Em seu inconsciente, ele entende o proceder bem como uma moeda de troca para ser aceito, criando dentro de si uma imagem distorcida da divindade e da figura paterna.

Acolher o Caim e o Abel que há dentro de nós não seria tarefa fácil para o indivíduo com problemas de aceitação. Também não podemos fazer isso por ninguém, mas podemos formar um ambiente social de inclusão e de tratamento para as pessoas, o que também é muito desafiador por causa da insensibilidade dos que pensam ser como Abel.
"Para ele, amor, era ter muito claro na mente que o sofrimento é algo inerente a natureza humana, e que de maneira alguma podemos evitar o que é de cada um, seja quem for, filho, esposa, pai, mãe, seja qual for o laço, o máximo que podemos fazer em relação ao sofrimento alheio é acompanhar, e encorajar. E isto é amor, podendo proporcionar cura." - negritei

Este é um ponto bem delicado!

Numa evangelização com os hindus, você perceberia rapidamente a indiferença das pessoas em relação ao sofrimento alheio como se fosse uma espécie de carma (que ninguém pense que estou fazendo um ataque proselitista contra o hinduísmo). Porém, a proposta de Freud pareceu-me bem equilibrada e próxima que conduta que precisamos ter diante do sofrimento do outros que, de alguma maneira, também é nosso.

Já tentei ajudar as pessoas e notei que muitas delas não querem ser ajudadas. Já tentei fazê-las sorrir, mas há quem prefira continuar sofrendo.

Sofrimento é uma opção e Deus não manda ninguém para o "inferno". É o homem que resolve prolongar os efeitos de uma dor.

Mas não quero de modo algum expor o pensamento presunçoso de quem está de fora porque não estou na pele de quem sofre para poder dizer quais as dificuldades de cada um. Apenas posso compartilhar minhas próprias experiências e as maneiras que encontrei de lidar com minhas dores. Seja combatendo a causa ou descobrindo um anestésico, o qual acabo um dia confundindo com a cura e atrasando o próprio processo de libertação.
Me lembrei da histórinha dos leões que me contaram ainda quando criança e nunca mais esqueci...

Lembram???

"Todos nós temos dentro da gente dois leões. Um bom, e o outro mau. Ambos convivem juntos, mas sempre prevalece aquele ao qual mais damos alimento".

Volto a enfatizar, de fato, não há como negar que ambos vivam em nós, tanto Caim, como Abel.
Em tempo!

A frase de Gênesis 4 que citei no texto pode ser alternativamente interpretada como um reflexo da concepção do autor bíblico sobre a divindade, a maneira como os Caims pensam em relação à vida ou quem sabe uma pedagógica indagação para o leitor refletir:

"Se procederes bem, não é certo que serás aceito?"

Há quem entenda que o sacrifício de Abel superou o de Caim porque ele teria trazido as primícias do seu rebanho, o que, numa má interpretação implicaria na ideia de uma divindade interesseira. Mas eu vejo algo enigmático por trás dessa história.

Abel trouxe como oferta um animal. Há quem entenda que, com essa atitude, ele estaria prefigurando o sacrifício de Jesus, mas entendo que, em tal ato, estava implícito o reconhecimento da necessidade de buscar a misericórdia de Deus. Logo, não foi troca. Porque nem toda a gordura do rebanho seria suficiente para obter a aceitação divina que é gratuita pois o que interessa a Deus é a nossa atitude interior de um arrependimento sincero.

"Misericórdia quero, e não sacrifício"

De certo modo, posso dizer que Abel teria compreendido o significado da metáfora expiatória ao passo que Caim não. Afinal, ele queria a aceitação paterna no estilo Lady Kate como muitos também desejam a as falsas igrejas sabem disso. Algo do tipo "tô pagando".
Em tempo 2!

Associei o sentimento de rejeição de Caim com a expulsão do Paraíso como ilustrações desse ciclo geracional que experimentamos com base nas exigências de comportamento perfeccionista que os pais e tutores impõem à criança.

Muito embora a expulsão do Paraíso possa ser vista também como uma nova oportunidade para o homem reconstruir-se sob novas condições, não é assim que a maioria entende quando lê Gênesis 3. O amor de Deus por Adão e Eva não diminui quando eles se tornam conhecedores do bem e do mal. Não seria equivocado afirmar que o mítico casal foi colocado num novo ambiente para desenvolver melhor suas potencialidades podendo fazer da terra um belo pomar.

Entretanto, como é que nós costumamos valorizar as perdas? Adotamos uma atitude pró-ativa ou ficamos nos lamentando como sugere o título daquele célebre livro de Spencer Johnson chamado Quem Mexeu no Meu Queijo?
Donizete disse…
Amor;

De mãe para filhos: incondicional,
De pai para filhos: incondicional,
P.S. Os filhos podem passar de presente a castigo! Pais são sensíveis a essa verdade.

De filhos para pais: Condicional.

P.S. Filhos decidem não mais amá-los quando seus interesses ou escolhas não não considerados ou respeitados pelos pais. Geralmente a relação pode voltar a normalidade com a maturidade dos filhos ou a aceitação dos pais. Lembrando que a aceitação dos pais é como uma penitência, uma conformação ao seu destino, e a maturidade do filho, se não for bem assistida, raramente ocorre.

Entre irmãos: É tão condicional e interesseiro quanto nas relações entre pessoas comuns. É atitude, é decisão.

Entre cunhados: praticamente inexiste, fora a competição para estabelecer quem é o (a) mais bem sucedido (a) da família. No caso das mulheres, especificamente, quem é mais bela ou possui mais glamour.

Entre cônjuges: foi um sentimento apenas quando na forma de paixão. Isso, evidentemente no início. Depois de algum tempo, passa também a se enquadrar na categoria das decisões, na relatividade de caráter, índole, responsabilidade e até de genética.

Sou um pouco pessimista quanto a existência de amor sem nenhuma restrição!
Eduardo Medeiros disse…
Rodrigo, sobre a não aceitação da oferta de Caim, eu prefiro uma interpretação mais histórica: a oferta de caim, fruto da terra, típico de uma sociedade agrária, estaria em plena afronta com a oferta de ABel, um animal, típico de uma sociedade nômade como eram os hebreus primitivos; o texto refletiria uma antiga briga entre nômades e fixos na terra.

Afinal de contas, vendo pela literalidade da história, Caim ofertou o que tinha para ofertar, Abel, fez o mesmo.
Eduardo Medeiros disse…
olha, eu concordo plenamente que o amor dos filhos para os pais é condicional, principalmente quando eles são bem novinhos. Eles só exigem e nada dão...rss estou acostumando meu filho a dizer "obrigado, papai", toda vez que eu dou o almoço, o mingau, a fruta...rss
Eduardo Medeiros disse…
Rodrigo, gostei do seu comentário-resposta ao que eu coloquei sobre a bicicleta.

Considero válida todas as observações que você fez, mas eu estou mesmo querendo enfocar a meritocracia. sem ser radical, creio que as crianças têm que aprender desde cedo que para elas obterem algumas coisas elas tem que tomar certas atitudes.

Como gostam de dizer os economistas, "não existe almoço de graça". mas o que você observa sobre a escola é uma triste realidade; muitas escolas hoje não atraem, principalmente os jovens; a escola está voltada hoje para o mercado de trabalho. Não que isso não seja importante, é, e muito; mas também acho que está faltando conteúdos que estimulem a imaginação, o gosto pela leitura e a sede de conhecimento. OU seja, falta cultura nas nossas escolas.

A realidade que vejo são pais que nem ligam se filho está indo bem na escola ou não. Quando muito querem só ver as notas e olhe lá.

esta é uma triste realidade.
Entre cônjuges eu diria que é um dos amores mais intensos que o ser humano pode experimentar e que também pode se tornar num dos piores ódios quando os consortes não estão mais de acordo um com o outro.

Quanto aos filhos serem "presentes", precisamos sempre ter algum cuidado a este respeito. Realmente é uma grande alegria, um dádiva, o ser humano tornar-se pai ou mãe de filhos. As vidas de Abraão e de Sara seriam exemplos clássicos desse anseio por gerar descendentes a ponto da nossa matriarca espiritual ter chegado a oferecer sua serva Hagar para dormir nos braços do marido. E, na Antiguidade, a esterilidade da esposa sempre serviu motivo para novas núpcias em relações poligâmicas em diversos povos. Ou então o divórcio.

Porém, os filhos não são nossos. São seres que entram neste mundo por nosso intermédio e que são colocados sob nossos cuidados. Gerá-los e educá-los é um dever que temos em relação à vida pois está relacionado à perpetuação da espécie e da cultura. Inegavelmente, fazem parte do nosso legado para a posteridade, mas aí os pais precisam de discernimento para não agirem com egoísmo, assédio e causarem traumas nas crianças. Principalmente nos primeiros anos de sua formação quando são seres frágeis e extremamente dependentes.

É natural que, ao crescerem os filhos nos deixem. Devem seguir o rumo deles, aprender por suas próprias experiências, e terem o direito de errar para acertarem. Para que construam a própria vida, precisarão de liberdade e espaço quando chegar o momento da partida, o que não significa que irão nos abandonar. Quando chegar a nossa vez de partirmos, ainda assim devemos amá-los e não fazer de nossa despedida uma prisão. Até a assistência na velhice precisa ser equilibrada porque, a esta altura, os nossos filhos já serão pais ou avós e terão responsabilidades que deverão ser cumpridas.

Em Efésios 6:1-4, Paulo dá excelentes conselhos quanto a essa relação entre os pais e seus filhos. Estes devem honrar os genitores, o que é bem amplo. Mas e o mandamento para os pais? Bem, no verso 4, o apóstolo nos fala de uma conduta negativa que seria não provocar os filhos à ira. E aí fico imaginando as inúmeras situações em que isto acontece quando, por exemplo, surgem aquelas chantagens emocionais, a exploração da boa vontade, a imposição de um perfeccionismo, dentre outras coisas que jamais podem se encaixar " na disciplina e na admoestação do Senhor".

Sinceramente, tem que essa má relação familiar que caracteriza hoje o nosso tempo acabe sujeitando a cultura ocidental a uma condenação (Rm 1:30; 2Tm 3:2). Isto porque princípios éticos basilares que unem gerações estão sendo quebrados e, ao invés de construirmos o novo, até o momento não conseguimos dar um novo direcionamento a ela. A pedagogia do amor e do afeto seria para mim a solução para que possamos avançar e evoluir ao invés de retrocedermos ou inaugurarmos uma era de barbárie.

A existência de um amor sem restrição existe nas nossas ideias como uma fonte inspiradora. Deus corresponde a esse perfeito amor, enquanto os homens são cheios de falhas e de limitações. Porém, como disse Jesus no Sermão do Monte, "sede vós perfeitos como perfeito é vosso Pai celeste". Tal padrão não pode ser rebaixado, mas permanentemente observado para que não abandonemos o nosso aperfeiçoamento ético que é a santidade.

Abraços.
Também se encaixa, mas esta já seria uma interpretação mais contextual do que uma aplicação para os tempos de hoje. Caim, além de ser um agricultor, foi o fundador de uma cidade que levou o nome de seu filho Enoque. Tem-se aí um conflito entre os que vivem na cidade e no campo. A vida inocente do meio rural versus as malícias do ambiente urbano. Obviamente que a Bíblia não se limita a isto e o Espírito nos instiga a irmos sempre além.
Caro Eduardo,

Sem dúvida que existe o "plantar e colher" que seria a relação de causa e efeito, um princípio que Deus colocou na Terra ao criá-la do nada.

Entretanto, quando criamos uma moral de causa e efeito, a graça fica encoberta. As pessoas passam a exigir o que é delas de direito e se fecham para as doações. Já não querem dar e em receber. Querem "comprar". E aí estabelecemos uma meritocracia conforme os nossos injustos valores, excluindo muitos que não se enquadrarão. Foi contra isso que Jesus tanto lutou quando anunciou seu Evangelho incompreendido pelos religiosos de sua época.

Acontece que, se a graça não entra nas nossas relações, iremos perpetuando o nosso ciclo geracional de injustiças. A busca por um equilíbrio nos faria devolver todo o mal que recebemos que, no caso da educação dos filhos mal amados, se manifestaria no trato destes com nossos netos.

Contudo, quando a graça chega, há perdão e aceitação total. Somos orientados a devolver as cargas negativas transformando-a em energia positiva. Ou seja, pagar mal com o bem, não fazer mal ao inimigo que seria abster-se da vingança. Tratamos dos males que nossos pais fizeram conosco e semeamos algo novo no futuro das nossas crianças. Esta é a ideia.
Levi B. Santos disse…

Rodrigo

Para não deixar esfriar o debate sobre Pais e Filhos:

Nas palavras do profeta Malaquias, foi o Grande Javé que estimulou a insana competição entre os pais dos gêmeos. Ele amou a Jacó e aborreceu Esaú estando eles ainda no ventre da mãe. Que coisa, hein?

Será que é o espírito de Javé que continua a exercer influência nas terras do Oriente Médio?

Ou toda essa história narrada de forma mítica foi criada exatamente para evidenciar a própria natureza dúbia do homem, que a psique dos oráculos briguentos projetou em deuses (Javé e Baal)?
Caro Levi,

Eu diria que a narrativa da Torá e a releitura feita pelos profetas vieram justificar a suposta "eleição de Israel". Mas não tenho dúvidas de que existe aí uma projeção das coisas existentes dentro da mente humana da mesma maneira como se observa nas palavras que Deus teria dito a Caim. Ao escrever a Bíblia, o autor sagrado deixou transparecer os sentimentos que o confortam e também aqueles que o apavoram. Pois, se HaShem rejeita Esaú e escolhe Jacó, escritor e leitor podem se colocar no lugar de qualquer um dos dois personagens. E, certamente, todo o tratamento que o homem recebeu dos pais na infância influencia quanto à escolha de se sentir acolhido ou rejeitado. Por isso é que precisamos ter cuidado para não substituirmos o Deus da Verdade pelo falso deus que criamos conforme a imagem e semelhança dos nossos pais.

Por outro lado, a escolha de Jacó em detrimento de Esaú pode servir de encorajamento para que o leitor, sendo alguém do povo de Israel, não se sinta rejeitado pelos desafios que se apresentavam. Mesmo humilhado pelos seus vizinhos adversários, explorado por nações estrangeiras mais e com filhos desterrados, o povo judeu é encorajado pelo seu profeta a não desistir. Contra Edom, HaShem está irado para sempre (Ml 1:4) e os israelitas deveriam crer na grandeza de Deus e não temer as ameaças do inimigo. Ou seja, se olharmos para a profecia, segundo o seu contexto, ela não me causaria uma admiração negativa e sim positiva. Só que hoje não cabe mais a ideia de uma divindade nacional, vingadora e partidária. Tudo aquilo foi uma construção que líderes como Malaquias fizeram para os judeus superarem as dificuldades num tempo de enormes provações. O amor entre Deus e Israel precisava ser resgatado e penso que o profeta obteve êxito. Hoje seus escritos precisam ser re-significados de uma outra maneira. Inclusive aquela outra parte lá do capítulo 3 que fala sobre os dízimos e as ofertas...
Levi B. Santos disse…
“Hoje seus escritos precisam ser re-significados de uma outra maneira.” (Rodrigo)

Concordo plenamente.

A psicanalista, Betty Fuks, especialista em "judeidade", já fazia ver que “na linguagem hebraica, uma mesma raiz pode ser vocalizada de diversas maneiras e possuir, a cada vez, um novo sentido, dependendo do contexto e do intérprete”.

Os antigos escribas diziam: “quando se imprime alma às letras, o sentido de uma palavra pode revelar significações inteiramente insólitas”

“Pois, se HaShem rejeita Esaú e escolhe Jacó, escritor e leitor podem se colocar no lugar de qualquer um dos dois personagens”

Gostei de sua frase acima reproduzida, bem ao estilo freudiano.

Freud, como ávido leitor da Torah, re-significou os fatos nela narrados, e obteve valiosos subsídios para entender os meandros da mente humana. É por isso que se diz que a psicanálise é uma ciência judaica. (rsrs)
Eduardo Medeiros disse…
Sim, contextualizar é sempre possível e desejável
Eduardo Medeiros disse…
Rodrigo, fazer o bem ao inimigo só é válido em tese, como utopia; o que teria acontecido ao mundo se todos os governos democráticos ocidentais tivessem feito "o bem" a Hitler enquanto ele levava o mundo ao caos imperalista com sua doutrina de eugenia?

Tem horas que no mundo real a graça perde a graça por um objetivo maior.
Eduardo Medeiros disse…
Agora, entre a relação pai-filho, que tinha sido meu comentário inicial, as coisas seriam melhores se houver equilíbrio entre graça e meritocracia ao meu ver. Por exemplo, no ex que eu dei, eu poderia presentear meu filho com a bicicleta mesmo que ele não fosse bem nos estudos, mas se eu tivesse visto que ele se esforçou e não foi negligente. Aí, a Graça se encaixa perfeitamente.
Eduardo Medeiros disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Pois é, Levi. Por isso que, se a interpretação prender-se demasiadamente a contexto, o texto torna-se limitado e, por vezes, inaplicável aos nossos dias.

Entender a Bíblia contextualmente tem serventia mais para fins teológicos e históricos. Mas para a atualidade, o Livro Sagrado deve servir de ferramenta para a interpretação do conflito vivido no momento. Mestres do bem e do mal sabem como manipular as palavras de uma profecia...


"quando se imprime alma às letras, o sentido de uma palavra pode revelar significações inteiramente insólitas"

Sem dúvida que a letra servirá somente de mero instrumento. A Palavra encontra-se na "alma".

Abraços.
Eduardo,

Entendo o que quis dizer.

Você argumenta que, se o mundo tivesse ficado inerte e deixasse Hitler prosseguir em seu plano belicista, o nazismo teria dominado o planeta e não estaríamos vivos aqui para debater na C.P.F.G, visto que, pela lógica, a severa ditadura imposta à humanidade já teria exterminado com quem não fosse europeu ariano.

Todavia, não podemos analisar a história pela partícula "se". E aquilo que o mundo viu na 2ª Guerra Mundial foi resultado de um longo processo histórico. Onde estavam as lideranças capazes de fazer algo diferente? Que status de importância tinham os direitos humanos na primeira metade do século XX?! Qual era a mentalidade dos governantes? Que respeito existia pelos civis numa guerra mesmo entre os países aliados?

Eram outros tempos. Hoje temos mais condições e responsabilidade para evitarmos uma terceira guerra mundial. Um líder sensato pode pensar em dar a outra face ao invés de retribuir de imediato as ofensas. Males podem ser prevenidos e a sociedade democrática pode contar com os seus observatórios afim de se evitar a ascensão de novos ditadores ou de atentados contra a liberdade.

De qualquer modo, não se deve agir com ingenuidade. E nisto acho que estamos de acordo ou quem sabe abordando o mesmo tema com palavras diferentes. Paulo pregava o amor e não retribuiu aos seus perseguidores, mas, quando necessário, colocava-se em fuga de uma situação de perigo e determinou o castigo de Elimas, o mágico, quando este ficou temporariamente cego.
A respeito da meritocracia, Edu, entendo ser necessário o reconhecimento e a valorização dos esforços das pessoas, mas sem, contudo, fazermos das boas obras uma condição para que o indivíduo seja aceito. Penso que o equilíbrio esteja justamente por aí. Afinal, a Bíblia nos fala de salvação pela graça, mediante a fé, mas também menciona o recebimento de um galardão. Ou seja, Deus vê e se agrada das coisas boas que fazemos embora nos aceite irrestritamente como filhos amados.
Levi B. Santos disse…
Ops

Um vírus da parte de Baal entrou aqui no nosso recinto
(rsrsrs)
Levi B. Santos disse…
Edu e Rodrigo


Sobre a re-signifcação da percepção do Deus do V.T. :
Vocês não acham que a “imago de Deus” na psique humana vem evoluindo conforme o passar das eras?

Vejo aquela antiga imagem de um Pai dominador em franca decadência. A pós-modernidade vem lidando com a quebra do poder patriarcal e a ascensão de uma certa rebeldia por parte dos filhos. A minha neta mais nova de três anos de idade já me passa repreensão: “Cala a boca vovô!” ― diz ela, quando se vê importunada. (rsrs)

O patriarca está sendo mutilado aos poucos, na medida em que surgem nas famílias, novas formas de relacionamento. Ao que parece, o enfraquecimento coercitivo dos pais e a emancipação cada vez mais cedo dos filhos, são o pivô de um novo tipo de família baseada mais na individualidade. Mas isso, creio, tenha a ver com o fato de o filho não ser mais visto como coisa do pai, inteiramente submetido à sua vontade.

Quanto a essa passagem do ”filho-objeto” para o “filho-sujeito de si” , Freud diz, que o filho permanece para os pais, um prolongamento deles mesmos. Tão forte é essa ligação paterna afetiva, que a morte do filho antes da dos pais se assemelha, segundo o barbudo, a uma monstruosa ferida narcísica”.

No mundo ocidental, a decadência da “imago de Javé” que culminou com o reinado da “imagem de um Filho- Salvador” (começo da Era Cristã), para Freud, já denotava o esvaziamento do Pai, em favor da emancipação sexual dos filhos e das mulheres. O direito de correção paterna foi sendo aos poucos solapado e depois abolido, dando lugar as prerrogativas do Estado, de assim o fazer.

Penso que não há como negar que a família está sendo reinventada. Só não sei mo que vai dar. (rsrs)
Grande Levi,

Interessantes essas sacadas do "barbudo" (rsrsrs)


"(...) para Freud, já denotava o esvaziamento do Pai, em favor da emancipação sexual dos filhos e das mulheres"

Sem dúvida que sem e eu diria ainda que a revolução amorosa iniciada por Jesus ainda está a frente do nosso tempo.

No ideal cristão, a família e a nação são substituídas pela Igreja. Embora, na prática, não seja o que temos visto nas congregações existentes por aí, a ideia é a formação de uma comunidade planetária amorosa, solidária, igualitária e ao mesmo tempo livre. Mas Jesus sabia muito bem da oposição do mundo, isto é, do poder humano vigente que não toleraria o surgimento de algo contrário ao sistema estabelecido.

Na atual crise da família, temos os que defendem o retorno ao conservadorismo, os que promovem a barbárie e a proposta de Jesus. O patriarcalismo já não se sustenta mais e a barbárie é o que tem prevalecido. Também a família nuclear tornou-se frágil para resistir a tantas hostilidades. Logo, só vai restar a família ampliada - a Igreja. Por isso eu não desisto da Igreja!
Eduardo Medeiros disse…
Rodrigo, se por um lado a história não se faz com "se", nada impede de analisarmos como seria o mundo "se" certos fatos marcantes tivessem ocorrido de forma diferente. Você mesmo respondeu ao meu "se" sobre uma possível ditadura mundial com Hitler.

Mas estou bem preocupado com a democracia ocidental. Esses dias mesmo ficamos sabendo que o governo dos EUA espia e-mail, telefone, postagens na net de pessoas do mundo todo, isso com a desculpa do combate ao terrorismo.

Eduardo Medeiros disse…
LEVI,

sem dúvida a família mudou, e o patriarca perdeu o trono; os novos mandões da casa são os filhos! mas não vejo isso com bons olhos. no vácuo da perda da autoridade do pai, abriu-se uma brecha para entrar o Estado.

Não sou saudosista da família patriarcal rígida, onde não havia espaço para se discutir as ordens do pai, mas ao mesmo tempo, esta crise de autoridade na família (tanto do pai quanto da mãe e tios, avós, etc) não pode ser bom para as crianças, que crescem sem nenhum parâmetro de respeito aos mais velhos.

Lembra quando na sua infância(e na minha também!) via-se a pessoa mais velha com respeito? hoje em dia o camarada finge que está dormindo no ônibus para não ceder o lugar a uma velhinha que está ali, ao seu lado...
Caro Edu,

Eis aí um bom tema para alguém postar futuramente aqui.

Particularmente, não sou contra essa espionagem dos USA e nem acho que ela seja prejudicial à democracia, desde que direcionada para a questão da segurança. Aliás, sem haver um certo controle, como garantir o bem estar e até mesmo a liberdade dos cidadãos? Afinal, abrimos mão de uma parcela da liberdade para preservar a maior parte, não é mesmo? É o mesmo debate das câmeras de vídeo nas ruas das cidades...


"Não sou saudosista da família patriarcal rígida, onde não havia espaço para se discutir as ordens do pai, mas ao mesmo tempo, esta crise de autoridade na família (tanto do pai quanto da mãe e tios, avós, etc) não pode ser bom para as crianças, que crescem sem nenhum parâmetro de respeito aos mais velhos." (Eduardo)

Concordo plenamente, brother. E já tem filhos dando até na cara dos pais e daí pra pior. Penso que o respeito pelos mais velhos é fundamental para que uma cultura tenha futuro. As mudanças das famílias que desejamos caminham em outro sentido, não pro lado dessa barbárie. Porém, a desordem apenas nos mostra a necessidade de uma nova estruturação.

Abraços.
Em tempo!

Numa compreensão dialética, a atual desordem seria a negação da antiga ordem familiar que, por sua vez, seria sucedida por uma nova ordem.

É o raciocínio da tese, antítese e síntese.
Eduardo Medeiros disse…
Uma coisa é câmaras nas ruas que todo mundo sabe que estão lá; outra coisa é o EUA espionar o mundo todo sem que ninguém soubesse, e pior, não somente os potenciais terroristas.

E aí, Rodrigo, pode vir outro texto? rss
Entendi, Edu. Acho que seria mais transparente haver uma lei permitindo essa espionagem do que os "EUA espionar o mundo todo sem que ninguém soubesse", conforme colocou. Cá no Brasil, as polícias fazem o mesmo com escutas telefônicas, muito embora sabemos que provas obtidas por esse meio não valem. Mas como não estaria a nossa segurança sem a quebra ilegal do sigilo das ligações?! Deixa como está que é melhor...