Síndrome do pânico e religião: minha vida





Por: Filosofo de rua Marcio Alves


“Todos os dias ia para a igreja. Orava por volta de uma a duas horas por dia. Lia a bíblia sempre por varias horas. Pregava frequentemente. Desde os 7 até os 26 anos tinha o cristianismo como o sentido supremo da minha existência. Meu maior sonho era viver totalmente a “vontade de Deus e sua obra” – o que é a vontade de Deus? O que é sua obra? – a tal ponto de nunca casar, ter filhos e trabalhar, ou seja; minha vida era a religião evangélica e a religião evangélica era minha vida”.



O relato breve acima dá para ter uma ideia bem aproximada da realidade que vivi até dois anos atrás. Fui o típico religioso fanático, onde todo meu pensamento, todo meu ser, toda minha existência estava voltada para a religião evangélica. Toda essa estrutura dava sustentação, amparo e um tremendo sentido para minha frágil existência até o dia em que ler só a bíblia não era suficiente e comecei a ler livros até então voltados para a religião, conhecidos como “livros teológicos”. Depois, comecei a ler todo tipo de livro e autor que abordava ainda o pensamento teológico, mas não mais me prendia e limitava a ler somente teólogos da linha protestante conservador, e o pastor protestante que mais me influenciou nesse sentido foram os pastores Ricardo Gondin e Ed. Rene kivitz, depois de conhecê-los, e ler quase tudo que encontrava dos dois, tanto nos sites particulares, como em livros e artigos espalhados pela internet, começaram a fazer parte da minha leitura e do meu mundo, teólogos de outras vertentes, como os “hereges” teólogos liberais, padres e até rabis. Depois passei a ler os filósofos, ai meu mundinho até então vivido dentro da gaiola, da caixinha e do quintal evangélico foi completamente virado literalmente de “cabeça para baixo”. Foi nesse momento que percebi que já não era mais o mesmo, que o cristianismo como eu conheci já não fazia mais sentido algum para mim. A casa literalmente caiu pra mim e caiu bem em cima da minha cabeça! O que era certeza absoluta, como a crença em Deus, na bíblia, na doutrina pétrea da igreja, nos valores cristãos, no céu eterno que me aguardava depois da morte, perderam a força, o sentido, a certeza, e pouco a pouco foi entrando em mim a duvida que me corroia como câncer até virar uma certeza que eu chamei de “Meu crer na descrença e minha descrença no crer” – um dos temas de um texto meu escrito bem nessa fase da minha vida.



Talvez por isso – foi isso – que me levou a fazer faculdade de psicologia na anhanguera-uniban campus do campo limpo, não só para continuar estudando o fantástico e complexo universo do comportamento e mente humana, só que agora com olhar psicológico e muito mais abrangente do que o limitado “mundo espiritual” da teologia evangélica, mas também para substituir uma estrutura (religião) que sustentava e dava sentido, segurança e conforto, por outra; a psicológica.



Nessa experiência vivida, eu pude ver o tamanho da força e do sentido que a religião e todo seu sistema dão para o individuo. Entrei em colapso. Em profundo desespero. Numa falta de sentido absurda da existência. Desenvolvi a síndrome do pânico e outras psicopatologias que vieram no pacote tais como a TAG (transtorno de ansiedade generalizado) como a depressão em seu nível mais profundo – o “profundo” que me refiro aqui, não é somente uma tristeza profunda, mas sim a falta de sentido da existência, coisas que me davam mais prazer antes, não tinha mais sentido algum, alias, nada fazia mais sentido para mim, inclusive viver, esse é o terceiro e último nível dessa devastadora doença.



Não conseguia mais dormir, nem trabalhar, nem fazer qualquer outra coisa porque a angustia e o medo eram tão avassaladores. Comecei á ir todo dia para o pronto socorro e tomar na veia diazepam. Foi ai que a psicologia de certa forma “salvou” a minha vida. Desde o começo já sabia o que eu tinha. Já sabia inclusive as ferramentas para lidar com o transtorno (ou, os transtornos). Mas sabe qual a verdade? A teoria nesse momento profundo de desespero “quase” não me ajudou, ou me ajudou muito pouco. Precisei tomar remédios psiquiátricos controlados para só ai de fato a psicologia fazer algum efeito, ou seja, nesses casos de profundos e gravíssimos transtornos, só a terapia ou o conhecimento psicológico não dão conta: é preciso, paralelamente, o uso da medicação para dar uma “baixada” e alivio nos sintomas para a pessoa poder desenvolver um tratamento terapêutico.



Buscando na literatura de cunho cientifico e fazendo um link com a minha própria experiência de vida, encontrei que a doença da síndrome do pânico, como outros diversos transtornos, estão ligadas, em nosso século, conhecido como a “pós-modernidade”, justamente com a perda de referencial, de ideais, de valores, de sentido. Como esse meu texto não pretende ser um artigo cientifico, mas antes um simples e objetivo texto de blog, para os meus leitores que já nos acompanha a mais de 4 anos, que sabe que a filosofia aqui é de “rua” mesmo, ou seja; pautada somente no chão ou asfalto da existência, vou apenas citar uma única referencia para dar um pouco de sustentação para o texto, muito embora possa ser encontrado outras diversas referencias sobre o tema.



O parágrafo a seguir é da doutora em psicológica clinica pela PUC Jacqueline de Oliveira Moreira que diz: “Acreditamos que o processo do transtorno do pânico individual inicia-se com a perda de um ideal que funciona como referencial organizador do sujeito. Frente ao colapso dessa organização, o sujeito é tomado por um excesso pulsional, que se apresenta como angústia automática referente ao desnudamento da situação de desamparo. Como o sujeito apresenta uma precariedade diante dos perigos do mundo interno, ele projeta os perigos no mundo externo, como forma de defesa e tentativa de reorganização” (2006)



Como a religião antes era e assim foi por toda minha vida meu chão, meu norte, minha bussola, minha boia no meio do oceano da angustia, desamparo e insegurança da vida, vi-me só, totalmente perdido, sem rumo, jogado no vazio absurdo da existência, no silencio e escuro do universo quando me tornei ateu. A pior coisa que aconteceu na minha vida foi ter me tornado ateu. Repito: a pior coisa que aconteceu na minha vida foi ter me tornado ateu. É como acordar de um sonho lindo, maravilhoso e perceber que tudo aquilo não passou justamente de um sonho! Doeu muito, mas muito mesmo, quando me dei conta que já não mais conseguia acreditar em Deus. Que tudo de mais sagrado e de maior sentido e significado na minha vida já não tinha sentido e valor algum. Chorei demais quando deixei de acreditar que Jesus morreu para me salvar e que um dia me buscaria para morar com ele. Isso tudo pra mim hoje, tudo que vivi, tudo que acreditei, não passa de algo tão inocente, tão infantil, tão puro, como foi minha infância, e, por isso tão belo e inesquecível. Hoje, um pouco mais maduro, mais estruturado psicológica e emocionalmente, consigo, de verdade não jogar a “água suja junto com o Bebê”. Passou a fase da militância ateia, quando escrevia ferozmente contra a religião, quando combatia com todas minhas forças a crença da qual um dia fiz parte. Abandonei o delírio messiânico ateu de querer dêsconverter todos os crentes – ou querer converter o mundo inteiro para o ateísmo. Caiu a “ficha” de que isso era uma forma inconsciente e infantil de substituir o evangelho e suas pregações por uma forma ateia de religião com seus dogmas e também “pregações”. De aliviar o ressentimento me vingando ao desconverter os crentes, pois me via – e ainda me vejo – em cada crente que eu encontro. Na verdade, inconscientemente, eu queria transformar o outro (crente) em ateu, porque o outro era um espelho que refletia o que já fui e ainda o que está vivo dentro de mim, e isto, de certa forma, me trazia angustia por ter deixado de ser crente e não mais conseguir voltar a acreditar.



Hoje, ainda me erguendo, me levantando e (re)construindo minha (nova) existência, meu novo (re)caminhar, ainda muito frágil e recente, tento sintetizar e resignificar toda minha historia fazendo uma ponte entre o que fui e o que sou, pois meu presente e futuro estão sustentados nela. Cansei de ser inimigo e lutar contra mim mesmo, pois o passado não se apaga, mas se reconstrói ao resignificar ele. Tudo que vivi e tudo que vivo estão misturados iguais a dois copos de água jogados e misturados numa mesma vasilha: impossível dicotomizar, separar as duas coisas, pois o começo de um e a continuação do outro.



Não adianta também inútil e infantilmente querer (re)viver o passado da mesma forma que passou, pois nem o passado e nem eu somos o mesmo. Não dá para desacreditar e desconhecer o que acredito (ou não acredito) e conheço agora. Preciso integrar passado e presente, religião e ateísmo, falta de sentido da existência e sentido particular construído dia após dia, convergindo e dialogando forças contrarias dentro de mim.



No mais, o ser humano precisa sim de referencias, ideais, valores que norteei a sua vida, se não a religião, outros sistemas, como a própria filosofia e psicologia, ou então trabalho, planos, famílias, pois assim evitará de cair no nilismo da existência, ou, ainda que caia, como eu, conseguir de dentro do precipício continuar vivendo e encontrando razões ou criando razões e sentidos para continuar vivendo, porque viver é muito mais do que simplesmente respirar: é preciso encontrar sentido mesmo que seja arrancado na força e na garra do buraco existencial absurdo da falta de sentido. É pra isso, o outro é fundamental. Deve ser por isso que 90 % das minhas frases que posto no facebook é sobre o amor, pois nesse caminhar por sentido e significado o outro é fundamental. O que seria de nós e de nosso eu se não existe um outro? O que consola de estar em um navio no meio do mar da existência tendo que se lutar contra a tempestade das intempéries é que se olharmos para o lado veremos justamente o outro conosco: toda humanidade está com a gente nesse navio, nesse sentido o que fica é que compartilhamos do mesmo destino e da mesma fragilidade e brevidade da existência.

Comentários

Gabriel Correia disse…
Relatos, sinceros e pessoais são importantíssimos a experiencia é a forma mais legitima de aprendizado. Marcio,fica claro que talvez por características pessoais, você viveu uma experiencia radical, indo de extremos muito opostos e não é de admirar que tenha passado por esse vazio de sentido que levou ao padecimento do ser. Eu gostaria de dizer que vivo a certeza e a incerteza como condição inevitável do ser humana. Não há como desprezar os mistérios e as obviedades do mundo. Para mim o difícil é compreender como podemos viver mergulhados num universo misterioso bradando certezas eu não compreendo essa postura nem da parte dos crentes e nem dos descrentes.
Bonito seu relato, Márcio. E toda a beleza encontra-se na sinceridade que vejo em suas palavras. Inclusive por não mascarar a crença/descrença, coisa que considero como o veneno da fé porque esta não se fundamenta no acreditar e sim numa fidelização, um compromisso que assumimos com o Sentido da Existência.

Como deve saber, sou crente e não ateu. Porém, trabalho com desconstrução e hoje faço isto com muita ponderação. Se, por um lado considero útil e necessário o ministério do esclarecimento, evangelizando os crentes para deixarem suas ignorâncias religiosas, também tomo muito cuidado para não me arrogar em querer ser o dono da Verdade ou estuprar a consciência alhea com o meu modo de pensar já que cada qual tem seu próprio tempo para evoluir e crescer.


"Deve ser por isso que 90 % das minhas frases que posto no facebook é sobre o amor, pois nesse caminhar por sentido e significado o outro é fundamental. O que seria de nós e de nosso eu se não existe um outro? O que consola de estar em um navio no meio do mar da existência tendo que se lutar contra a tempestade das intempéries é que se olharmos para o lado veremos justamente o outro conosco: toda humanidade está com a gente nesse navio, nesse sentido o que fica é que compartilhamos do mesmo destino e da mesma fragilidade e brevidade da existência." (Márcio Alves)

Amigo, creio que a realidade constitui a verdadeira referência do ser humano e, quando olhamos para nós mesmos, encontramos pessoas caminhando pela superfície terrestre. E, nessa caminhada, identificamos a nossa inter-relação por mais que estejamos em situações diferentes da vida. E aí, independentemente de você acreditar ou não da existência de uma realidade além daquela que os olhos conseguem ver, o princípio que rege o homem e o seu ideal de completude (ou de perfeição) é a prática da assistência, caridade ou amor, o que consiste na superação do egoísmo para que nos dediquemos anonimamente a melhorar este nosso planetinha tão maltratado sem a necessidade de reconhecimento. Saudações fraternas.

Marcio Alves disse…
Gabriel Correia

É isso mesmo...cada pessoa um universo complexo e singular...o que dá sentido para um, pode não fazer o menor sentido para o outro...a certeza como a incerteza andam de mãos dadas na existencia...abraços mano
Marcio Alves disse…
Rodrigão

Meu proposito ao escrever sempre foi a transparencia...eu escrevo para mim como se somente eu fosse ler, e por isso, sai textos como esse....não faz sentido nós querermos converter o mundo as nossas convicções uma vez que a beleza do mundo reside na pluralidade de pensamentos, valores e sentidos...e sim, o amor ao outro nos torna mais humanos a medida que confere também sentido para nossa existencia..abraços mano
Levi B. Santos disse…
Márcio


Parabéns pela volta em Grande Estilo. (rsrs)

Enquanto lia suas emocionantes e sinceras confissões, sabe o que me veio a lembrança?

Veio à minha memória, o tempo em que nós aqui reunidos com outros hereges formamos a C.P.F.G. Tempo em que você, de tão animado e deslumbrado com o ateísmo, chegou a me telefonar duas vezes, querendo que eu me definisse: “Se eu era ateu, se não, o que era?” (rsrs)

Lembro-me que em uma das respostas, falei assim:

Nós não somos, Márcio, nós sempre estamos. Calma, devagar com o andor! (rsrs)

Alguns confrades acharam que a minha resposta, tinha sido um subterfúgio, ou seja a confirmação do ditado – “ficar cima do muro”


Concordo com você:

A luta para converter o outro é uma tarefa inglória, além de ser fruto do ressentimento


Abçs,
Exato! Essa é a descoberta que precisamos fazer: o amor como sentido existencial. Mas lamento compartilhar que isso está em minha mente mais na forma de conceito do que de prática. Algumas vezes vi sentido na ajuda ao outro, mas sinto que há um limite a ser respeitado: meu eu. A inclusão do meu próximo em minha vida não pode ser causa de minha exclusão porque do contrário me sinto infeliz e acabo por negar a própria vida. De qualquer modo, a busca do amor nos deixa descompensados por mais que você tenha lá seus limites para não amar demais a ponto de se desamar. Isto porque quem ama está investindo sem buscar proveito pessoal. Semeia-se algo em prol de uma coletividade mais fraterna e igualitária no futuro.
Voltei ao seu texto e tem coisas que eu gostaria de falar, mas vou escrever, Márcio, querendo o seu bem, mesmo que alguns aqui venham dizer que sou fanático religioso. Vejamos o que você escreveu:

"(...) o ser humano precisa sim de referencias, ideais, valores que norteei a sua vida, se não a religião, outros sistemas, como a própria filosofia e psicologia, ou então trabalho, planos, famílias (...)"

Meu brother, pode parecer simplista demais o que vou dizer, mas o ser humano precisa é de Deus, o Eterno, Aquele que te formou e te conheceu antes que viesse a este mundo e antes que céus e terra fossem formados. Aquele cujas palavras não passarão e que jamais abandonará seu povo porque é fiel à sua santa aliança.

No momento em que colocamos nossas expectativas nas coisas desta vida, corre o risco de naufragar. É válido e faz parte da vida que eu tenha projetos, forme família, faça negócios, procure psicoterapia, forme meu próprio pensamento filosófico, acumule riquezas, faça amigos, etc. Mas tudo isso um dia perecerá. E, como diz o budismo (não é esta a minha religião) "todas as coisas estão em chamas".

Mano, é através de um relacionamento com seu Criador que o homem pode ver rios nascendo no deserto e cultivar um belo pomar em terra árida. Por mais bravo que esteja o mar, Deus está ali e governa sobre as águas. Elas não te submergirão.

Não queira encontrar explicações para tudo! Pois, "ai daquele que contende com o seu Criador! E não passa de um caco de barro entre outros cacos. Acaso, dirá o barro ao que lhe dá forma: Que fazes? Ou: A tua obra não tem alça. Ai daquele que diz ao Pai: Por que geras? E à mulher: Por que dás à luz?" (Is 45:9-10; ARA)

Meu conselho. Tema a Deus, entregue-se de coração á sua vontade, humilhe-se com todo o seu conhecimento intelectual adquirido, busque-o de todo o coração, faça seus ouvidos atentos para ouvi-Lo mesmo que no silêncio. Só o Eterno poderá saciá-Lo e, quando menos esperar, estará feliz e contente. Rios brotarão do seu interior e você viverá o Reino de Deus no aqui e agora. Não precisa acreditar ou se convencer racionalmente. Apenas fidelize com o Eterno porque Ele não te deixará e te guardará como "a tua sombra à tua direita" (Sl 121:5)
Eduardo Medeiros disse…
Já publiquei meu comentário sobre esse texto lá no Face, ô seu des-norte-ado...kkkkk vai dizer que não? que agora, enfim, encontrou o norte? o rumo certo?

vou ficar com o herege-mor desta Confraria: eu também estou. tem dias que me sinto bem ateu; mas tem tem dias que a chama do Mistério Divino toca e queima meu coração com força tal que por pouco, não me lanço com o rosto no chão em adoração a Deus; talvez não o faça por que eu perdi a "cara divina"; não sei mais qual é a cara de Deus, já que desconstruí todas elas. O Mistério Divino que hoje toca meu coração não tem rosto. Mas está aqui. Ou lá. Ou lá e aqui numa sincronia quântica que não sei explicar.