Jesus ou Barrabás?



As narrativas evangélicas do interrogatório de Jesus por Pilatos abordam uma intrigante audiência pública em que o povo teve a oportunidade de escolher entre a soltura de dois homens: o Cristo e um revoltoso homicida conhecido como Barrabás.

Ao que parece, aquela teria sido a única eleição em que Jesus se expôs (forçadamente) já que a Bíblia de modo algum informa ter nosso Senhor concorrido a cargos públicos. Seu comportamento, aliás, nunca teve por objetivo agradar o ego humano apresentando-se simpático ao público, mas sim a partir de um necessário confronto com personalidade forte. E para tanto Jesus não mediu as palavras e menos ainda usava de bajulações quer estivesse diante de governantes, autoridades religiosas ou na companhia dos próprios seguidores.


"Mas os principais sacerdotes e os anciãos persuadiram o povo a que pedisse Barrabás e fizesse morrer Jesus. De novo, perguntou-lhes o governador: Qual dos dois quereis que vos solte? Responderam eles: Barrabás! Replicou-lhes Pilatos: Que farei, então, de Jesus, chamado Cristo? Seja crucificado! Responderam todos. Que mal fez ele? Perguntou Pilatos. Porém cada vez clamavam mais: Seja crucificado!" (Mateus 27:20-23; ARA)

Lamentavelmente, este episódio das Escrituras do Novo Testamento foi muitas vezes mal utilizado para promover um anti-seminismo ou anti-judaísmo. Contudo, o texto acima citado reflete as decisões infelizes tomadas por todos os povos no decorrer da História, permitindo sempre que o "espinheiro" reine como conta uma outra passagem da Bíblia (Juízes 9:7-15).

No seu desabafo Escuta, Zé Ninguém, publicado postumamente, Wilhelm Reich (1897-1957) chegou a afirmar que o homem é o seu próprio navio negreiro. E assim complementou:


"Estas são as verdades que tenho para dizer-te, Zé Ninguém, e contra as quais nada tem a opor, exceto o assassínio, o mesmo que perpetraste contra tantos outros homens que te estimavam: Jesus, Rathenau, Karl Libknecht, Lincoln e muitos outros. Na Alemanha costumava chamar-lhe 'depuração'. A longo prazo foste tu quem foste 'depurado aos milhões'".

Em nossa história brasileira não tem sido diferente dos demais povos. Muito pelo contrário! Em 1964, a nação permitiu que os militares depusessem João Goulart e se instalassem no poder por 21 anos, prendendo, exilando, torturando e assassinando milhares de seres humanos. A democracia voltou através de uma gradual abertura política e de uma Constituição promulgada somente em 1988, mas, no seu primeiro voto para presidente, o eleitor escolheu o corrupto Fernando Collor de Mello ainda hoje presente na vida pública como senador. No ano de 2010, a candidata verde Marina Silva (uma das melhores opções para o país) nem ao menos foi para o segundo turno. E, no ano passado (2012), quantos prefeitos ladrões não retornaram aos respectivos cargos que ocupavam em suas Sucupiras?!

Nessa análise, não tenho como discordar das críticas do brilhante psiquiatra dr. Reich. Talvez cada um possa encontrar motivos diferentes que expliquem o comportamento das pessoas quando estas continuam escolhendo Barrabás no lugar de Jesus. Porém, o certo é que, quando repetimos tal conduta, estamos boicotando a nós mesmos. Estamos recusando gozar a felicidade que é oferecida pela vida, preferindo as sombras de uma caverna escura do que contemplar a luz do dia, temendo o que possa haver lá fora. Ou quem sabe dentro da gente.


OBS: A gravura acima trata-se da ilustração "Dê-nos Barrabás" encontrada no volume 9 da The Bible and its Story Taught by One Thousand Picture Lessons, de 1910. Foi extraída do acervo virtual da Wikipédia em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:GiveUsBarabbas.png

Comentários

Eduardo Medeiros disse…
Já li de autor que não vou lembrar o nome, de que Barrabás não era esse assassino cruel que a tradição evangélica lhe legou. Pelo contrário, ele era um dos revoltosos que lutavam contra a dominação de Jerusalém pelos romanos, por isso estava preso esperando ser crucificado.

O povo então, resolveu soltar Barrabás, o guerreiro, e condenar Jesus, o "pacifista" que se negava a pegar em armas contra Roma.

Não sei até que ponto essa tese tem fundamento, mesmo por que, há sérias dúvidas se essa passagem é de fato, histórica.

Agora, um erro grave que você comete, Rodrigo, é dizer que os militares brasileiros assassinaram "milhares" de seres humanos. Isso não é verdade. das ditaduras sul-americanas, a brasileira foi a mais leve e que tentou de forma ainda que capenga, manter um estado de "situação" (ARENA) e "oposição" (MDB) em eleições indiretas.

Oficialmente, o regime militar matou pouco mais de 300 pessoas e muitos deles, não eram "coitadinhos inocentes", eram guerrilheiros esquerdistas, cultuadores de Che Ghevara, Fidel Castro, e o regime soviético que partiram para a luta armada para matar ou morrer.

não defendo acriticamente a ditadura militar brasileira, mas muitas mentiras que os esquerdistas proclamaram e que virou verdade de tanto ser repetido, precisam ser revisadas.
Caro Edu,

A tão aguardada Comissão da Verdade está aí, mas como você mesmo admitiu, "o regime militar matou pouco mais de 300 pessoas".

Será que foi só isso?!

Jango não foi assassinado também?

Por mais que a nossa ditadura não chegue aos pés do que foi o nazismo na Alemanha, ou o governo de Stálin na ex-URSS, o certo é que pessoas foram injustamente perseguidas, ameaçadas, presas, torturadas, humilhadas, exiladas e mortas. E não foram apenas os que o exército confrontou em combate!

Vamos aguardar o fim dos trabalhos da bendita comissão para vermos se exagerei no número de mortos, sendo que não podemos nos esquecer também dos mortos de fome...

Agora quanto ao Barrabás, referi-me a ele ilustrativamente e não levei em conta a historicidade do julgamento de Cristo. Procurei foi colocar em destaque pela citação bíblica as escolhas ruins da população como bem denunciado pelo psiquiatra Wilhelm Reich que foi perseguido pelo nazismo e também mais tarde pelos norte-americanos quando achava-se refugiado naquele país por causa de seus ousados trabalhos e palavras, vindo a morrer na prisão.

Acredito que, na concepção do evangelista, Barrabás teria sido mesmo um revoltoso e não um ladrão como muitos dizem por aí. Não sei se, na época da composição dos evangelhos, ele era uma figura histórica conhecida. Tudo indica que fosse um zelote e daí presumo que a intenção do autor de Mateus possa ter sido a de reprovar a escolha dos judeus de seu tempo em se rebelarem contra Roma, como aconteceu nas duas guerras judaicas, ao invés de reconhecerem o Cristo na simplicidade pacífica do homem de Nazaré. Mas como a versão atual do Barrabás está mais relacionada à atividade criminosa do que de um rebelde que pegava em armas, o sentido de se dizer que o povo ainda o prefere a Jesus é quanto aos corruptos que são eleitos.

Abraços.
Levi B. Santos disse…

Como a meta dos evangelhos não é a de descrever a história, mas sim a de difundir a fé, é de se supor que esse julgamento tenha sido contaminado por necessidades específicas em propagar a religião cristã da época.

A condenação de um inocente e a soltura de um merecedor dessa pena, deu o impulso que o futuro cristianismo necessitava para se expandir entre as massas. Concorda Rodrigo?
Concordo, Levi. Eu diria que acabou sendo uma das contribuições para o crescimento do cristianismo.

A escolha que os sacerdotes e lideranças do povo judeu teriam feito pelo Jesus Barrabás, o "filho do pai" no lugar do Jesus, "o ungido", representa uma opção política feita na época em que o texto do Evangelho de Mateus foi escrito quando houve as duas guerras judaicas contra Roma entre os anos 70 e 135 da nossa era.

Segundo o texto, Pilatos certamente preferia que Barrabás fosse morto e Jesus solto. Talvez uma flagelação ou uma cadeia já bastariam a seu ver, mas não a morte do Ungido. Só que o Evangelho colocou em foco a covardia política. Melhor é entregar Jesus do que enfrentar as multidões de modo que Pilatos em seguida lava as mãos. Ao contrário de Judas que reconheceu ter entregue "sangue inocente" (Mt 27:4).

Infelizmente, tal julgamento que tem quase nada de histórico acabou servindo de justificativas para seculares manifestações contra os judeus tendo em vista a declaração do verso 25 para que o sangue de Jesus fosse "sobre nós e nossos filhos".

Não acho que o autor do texto tenha pensado em instigar algo que foi tão nocivo assim na história mundial. Talvez fosse seu objetivo condenar a escolha da maioria dos judeus em guerrearem contra Roma escolhendo o caminho de Barrabás ao invés do caminho pacífico de Jesus.

Num momento posterior, os cristãos estariam mais distantes dos judeus e escolheriam o caminho da paciência para conquistarem o poder. Suportariam os massacres do Império Romano sem organizarem guerrilhas até que o martírio os levassem ao triunfo.
Gabriel Correia disse…
Gente, eu sei que as coisas são controversas e relativas, mas mesmo assim, uma coisa que sempre surpreende é: como esse livro velho e esquisito tem essa capacidade de ser atual e universal.
Essa é a grande beleza da Bíblia, Gabriel. Sua narrativas são simples, mas revelam o que se passa no coração humano que enfrenta ainda hoje os mesmos sentimentos. Mas quanto ao universalismo bíblico, eu diria que seja mais em essência do que na aparência. É refletindo profundamente que compreendemos que Deus é não só de Israel e da Igreja, mas sim de toda a humanidade e de todo o cosmos. Abraços.
Já falei em algum lugar por aí qua a bíblia não foi escrita por idiotas. Fazer lavagem cerbral em massa não é para qualquer papa.
Muitas páginas foram escritas sobre Barrabáz que foi enfiado no conto da carochinha cristã como ladrão quando na realidade era um zelote e lutava contra o domínio romano. Foi a sopa no mel para os inventores do cristianismo dourar sua lenda com uma liderança antagônica. Nenhum cristão fala do que restou de Barrabáz.
A nossa história não está sendo diferente de outras culturas que entraram em colápso. Estamos formando uma juventude de fracassados na educação, na música, na ciência e no caráter. Para nossos dominantes, desonestidade é sinônimo de inteligência.
Eduardo Medeiros disse…
Rodrigo, entendi sim a mensagem que você quis passar citando Barrabás, apenas deixei a observação, que claro, vocês já sabiam...rss

Agora, caros amigos, não creio que a crucificação de Jesus tenha sido uma invenção.O julgamento, sim, tem claro formato de composição teológica e não história.
Um messias morto numa cruz para os judeus era anátema
Um messias morto numa cruz para os gregos era loucura.
Altamirando,

Não queira culpar a religião pelo fracasso da sociedade e seu colapso cultural.

Foram justamente os críticos da religião que, quando conseguiram tomar as rédeas, mostraram-se incapazes de construir o novo após a destruição do velho. Mas acho que a religião errou muito lá atrás quando resolveu esconder-se na inflexibilidade e não pôde mais tapar o sol com a peneira numa era científica.

Neste estágio avançado da crise já não dá para voltar mais atrás. Agora temos que ser capazes de gerar uma nova cultura mesclando o velho com o novo.

Que Deus ilumine o Brasil!
Também acredito que a crucificação de alguma maneira foi um fato que aconteceu. Minha suposição é que o julgamento de Jesus, tal como muitos Yeshuas que passaram pelas mãos de Pilatos, ocorreu de maneira bem sumária, sem nenhum diálogo entre o preposto romano e as massas ou aquele papo filosófico com o acusado sobre o tema da verdade. A causa da condenação eu acredito que foi mesmo o tumulto provocado no Templo quando Jesus teria expulsado de lá os vendilhões. Mas isso não passa de um esforço inútil de tentar definir o Jesus histórico, causa que já abri mão de defender. Eu simplesmente leio um texto da Bíblia e tento mergulhar no significado espiritual que encontro ali. Parto logo para reflexões teológicas como essa de Paulo que citou.
Eduardo Medeiros disse…
É, rodrigo, esta parece ser o melhor método de leitura bíblica, né? mas eu tenho verdadeira curiosidade em escavar sinais do Jesus histórico, por isso já li muitos livros sobre o tema, mas todos, é verdade, nunca trazem muitas certezas.
Não nego que tenho e já tive essa curiosidade também, Edu. Mas até hoje nunca consegui achar uma tese certeira. Acho que a investigação histórica do autor do 3º evangelho pode ter não alcançado sua finalidade, exceto se foi a de reunir os relatos conhecidos por ele em sua época e mesmo assim Lucas não fala tudo sobre Jesus. Fico então com o que diz João 20:31:

"Estes, porém, foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome".

Paz!