A melhor pedida para um dia quente
de verão é sem dúvida, uma “loura estupidamente gelada”. Hoje as louras são
soberanas nas rodas de amigos e nas propagandas mais alegres e esfuziantes da
TV mas nem sempre foi assim. Lá pela década de 1910, figuras importantes da
sociedade como médicos, advogados e mulheres da elite nacional se inspiraram no
que acontecia nos EUA com a Lei Seca (1019) para organizar aqui um movimento
parecido. Os defensores da cerveja
argumentavam que o problema nacional era o aguardente de cana, o que acabou
estigmatizando os mais pobres que eram chegados a uma cachacinha.
As cervejarias partiram para o
ataque contra os inimigos das
louras. Começaram a divulgar que seus produtos eram feitos em moldes
industriais, com critérios rígidos europeus de higiene e que beber cerveja
durante as refeições era um hábito salutar. A propaganda deu resultados pois a
partir de 1910, tomar cerveja em espaço público e em grandes eventos tornou-se
um hábito. Um desses eventos era a festa da igreja da Penha, no Rio de Janeiro
que acontecia em todos os fins de semana do mês de outubro desde o período
colonial. A multidão se reunia para comer, dançar e beber várias rodadas da
cerveja mais popular da festa “Cascatinha”, produzida pela cervejaria
Hanseática, do industrial português Zeferino de Oliveira. A principal
concorrente da Cascatinha era a Brahma, que acabou por comprar a fábrica do Zeferino
em 1939, mas que continuou rotulando a nova produção como Cascatinha para ser
vendida na festa.
Desde 1908 que a Brahma já se
preocupava com a reputação de seu produto, e contratou um certo Dr. Pires de
Almeida, autodenominado higienista, para escrever um livreto chamado A Companhia
Cervejeira Brahma perante a indústria, o comércio e a hygiene, no qual defendia
que a cerveja, por ter efeitos tóxicos desprezíveis, uma fórmula nutritiva e
uma produção baseada em padrões científicos e higiênicos alemães, podia ser
consumida sem culpa. A ideia era distribuir o livreto na Exposição Nacional
daquele ano em que se comemorava o centenário da Abertura dos Portos. A Brahma
já existia no Brasil desde 1888, e o evento acabou sento uma ótima propaganda para
a marca.
Na década de 1920, o movimento de
combate ao álcool se intensificou com a criação de novas entidades, como a Liga
Brasileira de Higiene Mental e a União Brasileira Pró-Temperança, que promoviam
campanhas educativas e propunham leis aos parlamentares que no entanto, não
davam muita bola para as exigências pois viam tais entidades com desconfiança.
Ainda assim, o valor do imposto sobre as bebidas subiu bastante, principalmente
da aguardente de cana. O então presidente Washington Luís em 1928 chegou a
alterar o funcionamento do comércio no Rio de Janeiro, decretou que bebidas
alcoólicas só poderiam ser vendidas depois das 19 horas.
Longe das polêmicas, as pessoas
que ascendiam socialmente, optavam pela cerveja ao invés da cachaça. A
propaganda alcançou seus objetivos, conseguindo até que as cervejas pretas
adocicadas fossem recomendadas como tônico para as mulheres que amamentavam - costume que já era bem antigo. Num contra-ataque aos anúncios da Brahma, o
médico pediatra Carlos Arthur Moncorvo Filho (1871-1944), lançou em 1928, um
panfleto no qual afirmava que as mulheres deveriam amamentar seus próprios
filhos e se afastar de qualquer tipo de álcool, inclusive, a cerveja. O
panfleto também tinha o objetivo de enfraquecer as chamadas amas de leite que
ainda eram comuns na cidade. Aconteceu campanhas sistemáticas nos jornais, nas
fábricas, nas escolas. A partir de 1930, o rádio divulgava que o consumo de
álcool sem moderação era uma fraqueza de caráter responsável pelo nascimento de
crianças deficientes.
Mas toda essa campanha do contra
não mudou o hábito da população. A primeira política de alcance nacional a
pensar em algum tipo de controle do hábito de beber foi o Código de Trânsito de 1997; mas só com a
Operação Lei Seca (olha ela aí outra vez!), de março de 2009, alcançou resultados
significativos em evitar mortes no trânsito por causa do álcool. A verdade é
que a cerveja venceu. Apesar do aperto atual da Lei Seca, consome-se cerveja
como nunca; é um hábito já incorporado ao dia a dia dos brasileiros. Sem dúvida é preciso conscientizar os
bebedores de que álcool e direção não combinam, as estatísticas estão aí para
confirmar. Apesar de todo prazer que é beber uma loura gelada numa tarde de
verão sozinho ou com amigos, a máxima atual é mais do que válida: “Se beber,
não dirija” e “Aprecie com moderação”.
A Festa da Penha(RJ), em outubro de 1917.
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Bibliografia:
Tese da professora Teresa Cristina
de Novaes Marques, “Capital, Cerveja e Consumo de Massa: A trajetória da
Brahma, 1888-1933 (UNB, 2003) e artigo da autora publicado na revista de
História da Biblioteca Nacional de novembro de 2010
Comentários
Minha gastrite crônica já não permite tomar uma “loura” bem geladinha, diariamente. Ainda arrisco tomar uma latinha de cerveja, no máximo duas ou três vezes por semana. O desejo de aumentar a dose, num verão quente como esse nordestino de 36 graus à sombra é emorme, mas resisto em nome da saúde. (rsrs)
Mas Levi, eu já me informei e descobri que uma "loura falsa" faz bem a saúde: é ótima isotônica, rica em vitaminas do complexo B e não tem o perigo de se tomar excesso de álcool. Virei fã da loura falsa...hhhhhee