Conforme
bem aprendi na faculdade de Direito, a responsabilidade civil tem três
pressupostos indispensáveis para a sua configuração. Ou seja, para que
uma pessoa seja condenada a indenizar alguém, é preciso que o juiz
verifique a existência da conduta culposa do agente, o dano causado à
vítima e a relação de causa e efeito entre a prática ilícita e o
resultado.
Entretanto, nem sempre a relação é
estabelecida de uma maneira simples podendo surgir inúmeras hipóteses
de causalidade múltipla no nosso cotidiano com diversas circunstâncias
concorrendo entre si para o evento danoso. Assim, surge o desafio para
os magistrados e demais operadores do direito quando se torna necessário
identificar qual fato foi determinante para gerar o resultado.
Afim
de resolver esse problema, surgiram várias teorias no meio jurídico
tentando estabelecer a causa dos eventos danosos. E, por uma questão
prática, o Direito Civil brasileiro, tal como outros países de tradição
romano-germânica, optou pela teoria da causalidade adequada em
que, quando duas ou mais circunstâncias concorrem para a produção do
resultado, deverá o julgador escolher por aquela que interferiu
decisivamente. Em outras palavras, busca-se responder a indagação se a
ação ou omissão do réu seria, por si só, suficientemente capaz de gerar o
dano.
Tal teoria certamente atende bem aos critérios
de praticidade dos nossos tribunais mas nem sempre promove a Justiça.
Isto porque, ao desenvolver o seu raciocínio lógico, como bem reconheceu
o jurista Caio Mário, o magistrado precisa "eliminar fatos menos
relevantes que possam ter figurado entre os antecedentes do dano".
Segundo comenta o saudoso mestre na 9ª edição de seu livro Responsabilidade Civil, editora Forense, pág. 09,
"o critério eliminatório consiste em estabelecer que, mesmo na sua ausência, o prejuízo ocorreria. Após esse processo de expurgo, resta algum que, no curso normal das coisas, provoca um dano dessa natureza. Em consequência, a doutrina que se constroi neste processo técnico se diz da causalidade adequada, porque faz salientar, na multiplicidade de fatores causais, aquele que normalmente pode ser o centro do nexo de causalidade."
Diversamente do Direito Civil, o nosso Código Penal adotou expressamente a denominada teoria da equivalência das condições
para fins de verificação da responsabilidade criminal conforme dispõe o
artigo 13 da lei. Dentro deste entendimento, todo fato será considerado
causa se tiver concorrido para a ocorrência do resultado. Não há
distinção entre a causa e a condição. Havendo várias circunstâncias
concorrentes, não se procura definir qual delas teria sido a mais
adequada ou eficaz para a produção do evento danoso.
A
crítica feita a essa teoria seria que a sua aplicação acaba incluindo
inúmeros atos e fatos no estabelecimento da relação de causalidade.
Pois, se no Direito Penal a equivalência dos antecedentes facilita a
absolvição, eis que, numa ação indenizatória, no Juízo Cível, haveria um
número infinito de pessoas sendo responsabilizadas. Ou seja,
adotando-se a equivalência das condições, deve reparar à vítima não
apenas quem foi causa direta do resultado, mas todos os que de alguma
maneira contribuíram para o evento prejudicial são condenados a pagar.
Mas
deixando um pouco de lado as coisas que cotidinamente ocorrem na rotina
forense, busquemos trabalhar esses conceitos jurídicos no campo da
cosmoética acreditando ser possível construir uma nova sociedade com
pessoas mais conscientes. Esqueçamos assim, por um pouco de tempo, da
demagogia retributiva, da indústria do dano moral, da necessidade de
ganho de causa dos advogados e do tráfico de influência das grandes
empresas para, finalmente, tentarmos colocar as coisas em ordem. E aí
pergunto:
Quem é que deve ser de fato responsabilizado diante da vida?
Tentando
responder a essa relavante indagação, eu diria que todos precisam
reparar os danos e que, ao mesmo tempo, ninguém deve receber severa
condenação. Pois qualquer evento ruim recebeu inúmeras contribuições
direta e indiretamente de cada um de nós, inclusive da própria vítima.
Assim, um latrocínio numa cidade decorreu não apenas da delinquência do
assassino como também da desigualdade sócio-econômica, do policiamento
muitas das vezes ausente, da omissão familiar do agente criminoso, da
deficiência na formação ética nos ambientes da escola, do mal exemplo e
da corrupção das autoridades as quais permitem a entrada ilegal de armas
no território nacional. E sem nos esquecermos também do eleitor que
vota mal em troca de favores imediatos.
Assim, todos
somos chamados à responsabilidade cosmoética e devemos nos empenhar em
reparar os danos ainda que priorizando as situações nas quais
participamos diretamente para a ocorrência do resultado. Por outro lado,
devemos ser mais compreensivos e solidários com aqueles que a sociedade
e a Justiça dos homens condenam porque passamos a nos ver também
sentados no banco dos réus. E, se o outro recebe uma pena pela prática
de um ato capaz de justificar a restrição da sua liberdade, temos o
dever de auxiliá-lo a recompor o dano causado e reintegrá-lo à vida em
sociedade.
Tenho pra mim que um dos maiores exemplos de
ética a ser seguido seria aquele do episódio bíblico que fala da
conversão de Zaqueu (ver o Evangelho de Lucas, capítulo 19, versos de 1 a
10). Na perícope, quando o rico chefe dos publicanos de Jericó encontra
Jesus e ouve suas palavras, ele é profundamente tocado e resolve dar a
metade de seus bens aos pobres e restituir em quádruplo as pessoas por
ele prejudicadas. Ou seja, Zaqueu tomou a consciência de que os valores
cobrados em excesso pelos impostos empobreceram também a sua cidade e a
maneira de se resolver isso seria distribuir parte de sua riqueza aos
mais necessitados. E, quanto aos que lesou diretamente, não bastaria
apenas devolver o valor correspondente à quantia subtraída mesmo que com
juros. Caberia-lhe indenizar com satisfatória suficiência para tentar
anular ou desfazer todas as consequências decorrentes (patrimoniais ou
imateriais).
Será que no caso de Zaqueu as duas teorias jurídicas não foram aplicadas por ele próprio?
Desejo
que, como Zaqueu, busquemos assumir a nossa responsabilidade cosmoética
em relação à vida e que façamos isso debaixo da restauradora graça
divina. Pois, já que a Justiça estatal é falha (será sempre limitada
porque os homens não são deuses), acredito ser possível à Igreja iniciar
a tarefa de recomposição de danos. E isto pode ser promovido através da
voluntariedade das pessoas.
Finalizo orando para que Deus ilumine a todos e também aos nossos operadores do Direito!
OBS: A imagem usada neste artigo refere-se ao quadro pintado por Lucas Cranach, o Velho (1472–1553) de 1537. Extraí a ilustração do acervo virtual da Wikipédia em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Gerechtigkeit-1537.jpg
Comentários
Não consegui achar a lista sobre a ordem de postagens. Entretanto, como o último artigo tem mais de quatro dias e faz um tempo que não publico algo aqui, arrisquei em compartilhar este artigo, o qual, embora fale exemplificativamente do episódio bíblico sobre Zaqueu, não tem um sentido muito religioso.
Espero que gostem e que eu não tenha violado o direito de outro confrade postar. E desejo também que este texto tenha se tornado acessível a leigos que não sejam operadores do Direito como eu.
Um abraço a todos e tenham um bom debate!
Zaqueu, se eu não me engano, jogou com a dúvida, ao dizer para o seu mestre: "...SE eu defraudei alguém devolvo quadruplicado".
Dizem que a parte final da história de Zaqueu foi surrupiada. É que Jesus disse para o baixinho, secretamente em sua casa: "Esmola grande cego desconfia!" - rsrs
Como é difícil confessar àquilo que se faz às escuras. Taí o Zé Dirceu que anda a falar aos quatro cantos a sua presunção de inocência com o bordão gasto: "Na dúvida pró réu".
Em suma isso quer dizer que o "SE", termo muito usado para expressar "o em cima do muro", é uma das defesas mais usadas pelo ser humano. Ninguém suporta ficar nú publicamente, ainda mais, sabendo que a sociedade não vai vestir o fraudador, nem investir em sua recuperação.
SE o Zé confessar o seu pecado, pode acabar com a vida de um "inocente" - o Lula. (rsrs)
mas vou destacar uma frase sua que achei interessante:
ninguém deve receber severa condenação. Pois qualquer evento ruim recebeu inúmeras contribuições direta e indiretamente de cada um de nós, inclusive da própria vítima.
Isso não deixa de ser verdade. A pessoa que roubou um quilo de arroz no mercado para alimentar o filho faminto não deveria receber punição alguma. Já o Dirceu citado pelo Levi...
Rodrigo, só pra constar, o meu novo blog "revisteca do edu" não é para postagens de textos mas apenas para disponibilizar meu acervo de revistas para serem baixadas por quem quiser e se interessar pela revista postada. Mesmo assim, obrigado pelo longo(e interessante) comentário lá.
Confesso que me esforcei para evitar o juridiquês. (rsrsrs)
O exemplo que colocou, o qual a doutrina jurídica chama de furto famelico, não configura crime. logo, não ha punição. Nem a imposição de pena alternativa. Claro que deve se tratar de algo para a satisfação de uma necessidade extrema e basica. Se eu roubo ou furto uma bicicleta, aí ja seriam outros quinhentos. De qualquer modo, a sociedade não deixa de ser responsavel pelo fato de alguem ter perdido quase toda a honra a ponto de subtrair coisas num supermercado.
Tenho procurado acompanhar nestes últimos dias o andamento la na Confraria Teologica Logos e Mythos, apesar de ser pequena a minha dispobilidade porque ainda estou sem a internet em casa. Entretanto, textos sobre Teologia é o que não falta no meu caderno de rascunhos. Basta-me caminhar uns quatro quarteirões de minha casa até a lan house da Prefeitura aqui em Muriqui, 4 distrito de Mangaratiba. Neste momento, tô no computador de um irmão da igreja.
Sucesso no seu blogue!
Esperamos você lá na Logos e Mythos. o próximo a postar será o Doni e então, você é o próximo. Fique a vontade para postar ou não segundo suas possibilidades.