O Humano em KING KONG




Por que os contos e mitos que usam animais ferozes em seu enredo nos atraem tanto?

Talvez, por serem movidos pelos instintos selvagens é que esses monstros vêm encarnar o que há de mais primitivo em nós.

Perguntado sobre o que havia de tão atraente no conto do Gorila gigante — King Kong, o cineasta, Peter Jackson autor da nova versão da odisséia desse macaco gigante no cinema, conta que o original dessa história já o fascinava desde os 12 anos de idade.

Num nível mais profundo, o combate entre o homem e os monstros jurássicos, que simbolizam a natureza no que ela tem de mais violento e selvagem, talvez esteja no cerne dos nossos anseios mais arcaicos, uma vez, que o projeto humano é o de tentar dominar as forças naturais, colocando-as a seu serviço.

Segundo o psicanalista, Renato Mezan, a história de King Kong nos captura porque encena um roteiro arquetípico gravado em nosso inconsciente — e, tomados de terror e de piedade, como desde que se inventaram as epopéias e as tragédias são tomados espectadores, ouvintes e leitores –– percebemos que é de nós que se está falando: do homo sapiens, o mais feroz dos animais”.(*)

Quem assistiu a esse filme deve está bem lembrado da sexualidade incontrolável e o gozo do domínio presentes nas feições do Gorila diante de sua presa: uma moça, Ann, indefesa, um tanto estúpida, de tamanho minúsculo em relação ao corpo do monstro, mas despertadora da libido masculina cega e brutal. Do Gorila, apesar de tratar a moça com doçura, salvando-a de vários perigos, não se pode concluir que ele a ama. Talvez a “ame” porque a considera sua dama, sua presa.

Para Renato Mezan, o Gorila representa nossos instintos animais, ou quem sabe, a figura do pai primordial, cujo assassinato marca para Freud o início da civilização, a insensibilidade e a truculência dos personagens “civilizados” reafirmam uma verdade incômoda: sob a fina camada da cultura adquirida em uns poucos de milênios, subsiste em nós a virulência das paixões primitivas. Mesmo projetadas num primata pré-histórico, elas não deixam de ser ameaçadoras — e, por isso mesmo, fascinantes em sua crueza originária”.(*)

Quem sabe se de uma maneira inconsciente, o fascínio que faz parar a respiração de cada espectador de King Kong, esteja servindo de catarse, ao nos mostrar o que somos na realidade. Essas duas partes interagem em nós num todo inseparável: Ann, a moça frágil que desperta piedade e King Kong, simbolizando a força e a brutalidade, na verdade, destacam as nossas facetas paradoxais —"somos uma espécie única que tem um lado biológico e de instintos, e outro simbólico e cultural".

Pensar o selvagem é pensar o homem. King Kong repete a narrativa mítica dos velhos contos de fadas, cujas complexidades apontam para os conflitos de nosso aparelho mental. Cada adulto, ao revê esse filme, sem sombra de dúvida, está revisitando a criança de peito que exorcizava seus demônios e seus medos; que projetava seus anseios nas figuras míticas dos fenomenais contos infantis. Aquelas fantasias, para o "bem" ou para o "mal", continuam emitindo ressonâncias no imaginário singular e fundamental de cada um de nós, adultos.

Em suma, a epopéia de King Kong, nada mais é que um sucedâneo dos velhos e maravilhosos contos de fadas, que ainda tem o condão de provocar em nós um apaziguamento das ansiedades geradas a partir da impossibilidade de nos completarmos no plano real.


*******************************************
(*) MEZAN, Renato - Intervenções [pag. 284 e 286] – Editora Casa do Psicólogo, 1ª Edição 2011

Site da imagem: c7nema.net

Por Levi B. Santos
Guarabira, 12 de setembro de 2011

Comentários

Elídia :) disse…
Olá pessoas queridas... estava eu assistindo dia desses o filme que leva o titulo e texto da postagem e remeti também a outro 'monstro' da ficção, que re-vi em Os Vingadores,o Incrivel Hulk: acredito que que sim, os instintos mais primitivos estão ali, em algum lugar do inconsciente, recalcados, à espreita, a espera da oportunidade na qual se irá sublimar ou dar vazão as representações que os detém. Essa semana um episodio (novamente) veio nos surpreender; um atirador entrou em um cinema abrindo fogo contra dezenas de pessoas, e não se sabe os 'porques'. Mesmo os instintos mais primitivos e desejos são dignos de analise, somos um eterno labirinto que ora se perde, ora se encontra. Não somos melhor que o outro, nem piores, somos o que somos, e o que fazemos disso é o resultado desse existir. Penso assim, mas posso estar equivocada, rs.
Elídia,

Acho que você não está equivocada, eu também penso assim. A mente humana também tem seu limite de tensão. Uns suportam pressões maiores que outros. Outros nascem com defeitos psíquicos enquanto uns não. Cada qual tem seu defeito de estimação, uns são crentes enquanto outros são ateus, uns descobrem coisas para outros destruir muitos, mas a vida tritura todos no seu mortal liquidificador tornando-os iguais. Na verdade, nenhum é melhor que o outro, apenas diferentes, por enquanto. Por enquanto...
O descaso tem vários significados, inclusive: desatenção, desconsideração, desprezo, desapreço. Eu não sei qual deles eu aplico aqui mas não pagarei para ver. Até por aí!.
Levi B. Santos disse…
Miranda


Entendi sua mensagem, aos que estão dormindo no barco. (rsrs)

Não importa, mesmo que seja devagar, Navegar é preciso
É Levi,

Remar contra a maré rebocando entulhos não é gratificante. Não vejo compensação. O prazer tem mão dupla, fila única é só para receber benefícios.
Eduardo Medeiros disse…
Definitivamente, a ideia romântica de que o ser humano nasce puro e a sociedade o corrompe foi refutada inclusive, pela Bíblia, vejam só. Quem conhecerá a totalidade da corrupção do nosso "coração" (psiqué)" disse o profeta Jeremias. Mas aí vai a pergunta: o que mantém a fera sobre controle?
Levi B. Santos disse…
Sobre o instinto de agressividade que faz do “homo sapiens”, o mais feroz dos animais:

A agressividade não pode ser anulada, Edu, mas pode ser trabalhada.

Ela tem outro canal de descarga que não o uso brutal do destruir por destruir o nosso semelhante.

Esse instinto é benéfico, quando sublimado, ou seja, quando derivado para exploração dos diversos campos da ciência, em benefício da própria humanidade. A conquista, como descarga de nossa agressividade, se daria pela desconstrução do velho e a conseqüente procura incessante por novos conhecimentos.

Não podemos esquecer do campo das artes que também é fruto da sublimação dos nossos instintos hostis.

A Agressividade Construtiva , para manter a fera sobre controle ― talvez seja um bom tema para futuros debates. (rsrs)
Elídia :) disse…
O que nos mantém 'presos' dentro das convenções sociais? Como manter a fera sob controle? É...uns tem de ser 'adormecidos' outros acordados, alguns manter-se despertos.... aguardando os futuros debates, rsrs
Levi B. Santos disse…
Pelo menos aqui, Elídia, estamos sublimando a nossa agressividade instintiva, para o bem, explorando assuntos que tem a ver com o "conhecer-se a si mesmo" (rsrs)
Marcio Alves disse…
LEVI, ELIDIA, ALTAMIRANDO e DUZINHO,

Concordo com Freud e Nietzsche, pois o homem por viver em sociedade aprende internalizado as leis e proibições, de como se deve comportar, gerando assim um mal estar e conflito no proprio individuo, já que há um abismo existente entre as demandas dos próprios impulsos, agressivos e sexuais, advindos de sua natureza com as do meio social.
O homem primitivo acabou trocando o agir por puro instinto, pela segurança e comodidade do mundo moderno.

Semana retrasada, eu indiquei a um amigo meu muito nervoso e explosivo que fosse para uma academia lutar jiu jitsu, para colocar para fora toda esta engergia e explosão agressivo...concordo com vocês, que atraves da arte, musica, trabalho e varias outras formas, nós, sublimamos os impulsos, mas tem hora que agente precisa mesmo é descer a porrada, e mandar alguém pra "ponte que partiu". rsrsrs
Eduardo Medeiros disse…
Então, vamos sublimar o "monstro" de formas construtivas. Outra questão que ponho para consideração: O Marcinho diz que tem hora que temos que dar vazão à violência e esmurrar alguém "que merece". Diante do "controle do monstro" sugerido por Jesus de Nazaré (não resistir ao mal, dar a outra face) seria uma forma construtiva? a opção de não violência e de resistência pacífica proposto por Gandhi não deu histórico resultado? Não resisti ao mal, vence o mal?

Levi, esta confraria parece ter entrado em nova fase: fase psicanalítica!! rss
A conveniência nos mantém no caminho pacífico. A paz é um sonho individual, jamais coletivo. Até entre irmãos existe rivalidade, pode até ser benéfica ou criativa, do contrário atrai violência. Por instinto o homem é um animal medíocre e violento.
Levi B. Santos disse…
Edu, Miranda e Márcio


A inveja , comumente, é descrita como algo maléfico e destrutivo. Para a psicologia simbólica a inveja não é tão terrível assim. Ela tem também uma função estruturante, quando propicia o desenvolvimento saudável da pessoa.

O invejoso que desejou e conseguiu muitas posses para si e permitiu que o seu vizinho as recebesse em dobro, vai passar agora a trabalhar mais e melhor, para satisfazer sua inveja.

Uma inveja cujo resultado, se reverte em a benefício para a sociedade, é ou não é bem vinda?

Exemplo de inveja criativa: Uma funcionária recebe a notícia de que sua amiga foi promovida, neste momento ela aciona a função estruturante da inveja, de maneira construtiva, buscando estudar mais para obter sucesso.

A inveja é maléfica quando eu a uso de forma defensiva, fazendo de tudo para impedir a promoção do outro.
Marcio Alves disse…
EDUARDO

Deixando de lado a hipocrisia e o "politicamente correto", acho sim, muito benefico para o individuo, as vezes, dar vazão a sua agressividade "esmurrando", xingando ou qualquer outro tipo de manifestação violenta...se a violencia faz mal ao outro que é ferido, ela faz muito bem para quem pratica rsrs. Claro, que também não é para sair batendo em todo mundo, mas que as vezes é bom ter "um dia de furia" (ala filme com o mesmo nome) é muito saudavel. rsrsr

ALTAMIRANDO

Só não somos mais violentos porque somos animais domesticados e inibidos pelo meio social...mas que cada um possui o seu "king kong" adormecido, possui, basta cutucar a onça com vara curta pra ver o que acontece. rsrs


LEVI

"Cai matou Abel" existe simbolo maior do que este para nós humanos?

A inveja não se é opcional, o que vamos fazer dela isto sim copete a nós.

Abraços a todos
Elídia :) disse…
rsrsrsrs fase psicanalitica é ótimo...
Elídia :) disse…
Outro exemplo da impulsividade dos desejos primitivos - Davi matando para ficar com a amante - e em todos se destaca a incrivel atualidade dos sentimentos. O que mudou?
Eduardo Medeiros disse…
Elídia, nada mudou, o homem continua o mesmo que sempre foi. Só que agora ele consegue matar milhares ao mesmo tempo com o progresso da tecnologia da guerra e da morte. Mas hoje temos mais freios morais e sociais para mantermos a violência em patamares suportáveis; creio que na antiguidade era muito pior, apesar das leis terem aparecido em épocas bem remotas, com o código de Hamurabi e a torá dos judeus. Levi, essa inveja aí é até desejável. O problema é saber gerir bem sua inveja. Marcinho, então o personagem vivido pelo(esqueci o nome daquele ator...rs) foi justificável? Ele não se dá muito bem naquele seu dia de fúria...rs
Esta avenida os levarão ao inferno. Cultuar violência e justificar inveja como uma virtude os farão arder no mármore de Satã. He, he, he...
Levi B. Santos disse…
Miranda

Cecília Meireles falando de sua infância de menina retraída, certa feita, evidenciou o seu “inferno particular”:

“a minha meninice me trouxe duas coisas que parecem ser negativas, mas que para mim sempre foram positivas: silêncio e solidão ”.

Assim acontece com a inveja — um sentimento que ninguém confessa —, apesar dele residir silencioso no coração do homem.
Anônimo disse…
You ought to take part іn a cοnteѕt for one of
the bеst websitеs οnline. I most сeгtainly will reсommend this websitе!


Feel fгeе to νisit my web site jzug.org