Sou um epígono?



Qualquer religioso que quiser saber sobre sua religião, converse com um ateu. O ateu sabe mais de religiões do que muitos pastores, rabinos ou padres.
Bem me lembro do dia em que eu, aluno interno do rigoroso colégio Batista Sul Americano da cidade de Nanuque ao norte do estado de Minas Gerais, ouvi pela primeira vez a despedida comovente de Jesus dos seus discípulos, na qual anunciava que o senhor “porá as ovelhas a sua direita e os cabritos à esquerda”. (Mateus 25,33)
“Então o Rei dirá aos que estiverem a sua direita: Vinde, benditos de meu pai, possuí o reino que vos está preparado desde a criação do mundo, porque tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber, era peregrino e recolhestes-me, estava nu e me vestistes, enfermo e me visitastes, estava na prisão e fostes visitar-me”. (Mateus 25, 34-36)
O diretor do colégio advertiu-nos para vivermos cada dia de nossa vida de modo que, a todo instante, pudéssemos comparecer perante  Deus de coração puro, desde que jamais duvidássemos, mas sempre acreditássemos piamente na palavra de Deus, sem divergir, em nada das escrituras.
Durante o sermão, tive a certeza que iria ficar do lado esquerdo, pois meu coração estava transbordando de dúvidas. Como será?, matutei. Estaria certo o pastor em dizer que Deus recompensará os fiéis que jamais duvidaram? Ficarão a sua direita os que conseguem crer sem nunca levantar uma dúvida? Só porque sempre acreditaram? O pastor sempre cita a palavra de Deus, mas até agora, jamais assistiu ao ato de uma seleção celeste, ou de alguma recompensa a fiéis. O pastor poderia estar enganado. Os carros com as inscrições “Presente de Deus” são alienados e as curas de resfriado, enxaqueca ou diarreia são efeitos placebo. Houve a legitimação pela invocação do nome de Deus no efeito “tradição” pois os crentes preferem imitar os antepassados do que encontrar maneiras de descobrir novas verdades no presente.  Porém o meu Deus sábio e onipotente (a esta altura eu ainda conservava algo do velho senhor bondoso de compridas barbas brancas) falaria diferente. “Meus filhos, dei a vocês o raciocínio para usá-lo. Fiz vocês parecidos com um macaco, porém  mais inteligentes do que todos os bichos para que pensem, perguntem e evoluem. Fiz os chimpanzés para sua apreciação e não, para serem imitados. Quem entre vocês for covarde demais para pensar, não terá lugar no meu reino, condeno ao fogo eterno  quem não usar seu raciocínio.”
Este episódio se passou há cincoenta anos atrás, mas a quintessência do meu raciocínio infantil permanece inalterada e eu sei que não sou prógono do ateísmo. Até hoje nunca vi um anjo e nenhum dos doze mil santos, logo, continuo a pensar e a perguntar, mesmo que eu nunca encontre a verdade, mas na Bíblia eu já sei que ela não está.

Comentários

Eu havia escolhido um texto com reflexões políticas mas como a maioria dos confrades é simpatizante de Alí Babá (He, he, he) resolvi publicar minhas razões, (Uma delas), por ser descrente. Espero que meu testemunho cause comoções.
Marcio Alves disse…
MIRADINHA,

Quer dizer que uma das (dês)razões para você não acreditar mais no "todo poderoso" é justamente o imperativo religioso evangelico de ter que acreditar? De não poder duvidar?

Mas que ateismo mais pobre é este o seu...(ai que dó mesmo rsrsrs) quero ver você refutar o deus dos filosofos, (deismo) porque o deus javé dos crentinhos, é como bater em cachorro morto ou em bebado..já não tem mais graça alguma.
Marcio Alves disse…
Esqueci da risadinha "miradinhana" hehehehehehe
Marcio Alves prazer em tê-lo aqui,

Eu publiquei uma das (des)razões da minha descrença descoberta na mais tenra infância. Primeiro foi a obrigação de não poder duvidar. De amar o desconhecido sobre todas as coisas, de rejeitar pai e mãe em sua função. Foi na infância que eu descobri que não ´poderia ser um alienado, um boi de boiada. Outras preposições vieram depois e são muitas. Não conheço o Deus dos filósofos, até porquê não conheço filósofo crente no Deus Bíblico. Pois é he, he, he...
Marcio Alves,

Eu quero dizer que não tive de esperar 20 ou 30 anos para perceber que o conto era do paco. He, he, he..
Eduardo Medeiros disse…
Fiquei comovido meu caro epígono!!
Eduardo Medeiros disse…
Mas és ou não és...
Edu meu caro,

Não sou um epígono. Pertenço ao meu tempo apesar de que, ao meu redor, tem muita gente vivendo no passado e com medo de evoluir. Tem muita gente que não quer acreditar que uma parte da humanidade está evoluindo.
Eduardo Medeiros disse…
Mirandinha,

eu concordo que temos que ser homens do nosso tempo. Aliás, cada homem foi homem do seu tempo. Mas também acho que não podemos desprezar milênios de cultura e conhecimento que nos foi legado pelos que vieram antes de nós. Lembre-se que a evolução biológica para acontecer, depende sempre do que veio antes.

ah, e eu não sabia o que significava "epígono", mas como sou inteligente, fui pesquisar e agora sei. rssss
Eduardo Medeiros disse…
Marcinho,

não decrete já a derrota do teísmo, pois ainda existem bons filósofos com bons argumentos para defendê-lo. Mas o Deus dos filósofos é bem interessante também.

Mirandinha,

sabe por que geralmente o ateu conhece bem a religião? Por que um dia ele foi um religioso devoto e estudante voraz da sua religião. Isso pode levar ao ateísmo mas pode levar também a um deísmo ou a um teísmo aberto ou ainda a um teísmo clássico mas consistente com a razão.

E eu duvido que você não conhece alguns filósofos teístas, pois eu sei que você conhece a história da filosofia.

Aliás, Deus sempre foi um tema filosófico desde que os antigos gregos tiveram o "assombro" de onde se originou o pensamento filosófico.
Eduardo Medeiros disse…
Jacques Demaret, astrofísico, autor de O Princípio Antrópico, disse que

"se misturarem bem Deus, Big Bang e inflação, funciona. É um coquetel que está na moda".
Edu meu caro,

Claro que temos que render homenagem aos pensadores do passado. Até mesmo aos que disseram que a terra era plana, aos que disseram que a terra era o centro do universo e até mesmo os que inventaram os deuses.
Edu meu caro,

Princípio antrópico é a idéia de que vemos o universo da maneira que ele é, porque se fosse diferente não estaríamos aqui para observá-lo.
Não conheço Jacques Demaret mas Deus, Big Bang e inflação não é uma mistura boa para um astrofísico.A não ser que ele seja um humorista.