Certeza ou Dúvida?


Desde que comecei a filosofar seriamente e a escrever, sempre busquei defender porque acredito que a verdade absoluta a respeito da natureza do universo nos é essencialmente inalcançável, ou, como se diz no jargão popular: Ninguém é dono da verdade. 

Pode parecer perda de tempo refletir sobre algo que soa tão óbvio, mas considero essa profunda reflexão como algo estritamente necessário para que alguém consiga de fato viver essa filosofia, demonstrando-a em suas atitudes do cotidiano, e não apenas fazendo uso de frases de efeito quando lhe for conveniente. 

Sim, é muito comum que pessoas façam uso de determinadas frases (como a já citada “ninguém é dono da verdade”) como uma forma de desmerecer ou desacreditar uma tese, para em seguida, defender outra tese com unhas e dentes. Alguns pseudo-pensadores, cientes desse joguete de palavras, chegam a afirmar que sua versão dos fatos não pode ser considerada como verdade absoluta, mas que é a versão mais próxima da tal, como se a palavra utilizada alterasse a postura absolutista assumida.

Parece-me que nosso cotidiano está cheio de certezas. Justo ela, que nos é essencialmente inalcançável. Tal postura é até compreensível. A vida em dúvida é sinônimo de vida em agonia. Precisamos de certezas. Precisamos saber o que é certo ou errado. Precisamos de um manual que nos diga o que fazer quando estivermos diante de uma situação imprevista. 

Assim, mesmo afirmando da boca pra fora que ninguém é dono da verdade, nossa postura é normalmente contrária a isso. Como podemos afirmar que desconhecemos a verdade e ao mesmo tempo julgamos atos e pessoas, atribuindo-lhes conceitos como certo e errado? Como julgar sem conhecer nenhum parâmetro oriundo da “verdade”? Definitivamente, adoramos praticar uma falsa humildade, dizendo-nos aquém da verdade, mas agindo como se ela fosse nossa escrava. 

No entanto, que outra opção temos? Cessar todas as tentativas de estabelecer o que é real e o que é imaginário? Liberar todos os internos dos manicômios? Acredito que não. É preciso sim, estabelecer valores e critérios para o que se espera de uma sociedade e da vida mas é preciso também que as pessoas vivam essa dúvida essencial que nos acompanha, e quando digo viver, me refiro a algo muito mais profundo do que o conhecer intelectualmente. 

Conhecer intelectualmente é concordar que o cigarro faz mal. Viver o que se conhece, é deixar de fumar. 

Da mesma maneira, é preciso viver essa dúvida, de forma que possamos nos permitir certas certezas mas sem nunca esquecer que aquele sentimento profundo de que estamos absolutamente certos não passa disso: de um sentimento oriundo de uma única gota em um interminável oceano. Respeito, tolerância, paz, justiça passarão a ser então consequências dessa honestidade do homem para consigo mesmo.

Comentários

CH disse…
Amigos,

Lamento não ter participado nas discussões do post anterior. A postagem coincidiu com uma semana em que estive viajando a trabalho e ainda estou tentando recuperar minha rotina... rs. O texto acima foi escrido por mim há alguns anos e foi devidamente revisado para que possa colocá-lo aqui. Adoraria saber a visão dos confraternos a respeito deste meu posicionamento agnóstico acerca da Verdade.

Abraços a todos!
Levi B. Santos disse…
Carlos Herrera


Parabéns! Texto excelente para nossa reflexão durante os próximos quatro dias (rsrs)

Vivemos protegidos por nossas muralhas racionalistas. Não raramente nos apegamos a conceitos lógicos, como se eles tivessem o condão de espargir toda a dúvida. Mas a verdade é escorregadia e se situa para além das muralhas de nossa mente racional. A dúvida é um sentimento de que “aquilo” que tomamos por verdade se mostra inconciliável com o que se situa do lado de lá da fronteira onde o “verdadeiro” esbarra. A nossa “verdade”, ou o que apelidamos de “real”, por ser circunscrito, é continuamente ameaçado pelo “supra-sensível”.

Cada um de nós, espontaneamente, evita encarar nossos problemas. Não se deve mencioná-los, ou melhor, nega-se a sua existência. Queremos que nossa vida seja simples, segura e tranqüila. Queremos certezas e não dúvidas. Queremos resultados (verdades) e não experimentos (dúvidas). Queremos ouvir e falar de resultados inequívocos e nos esquecemos que estes resultados passam por uma zona de obscuridade, em que a linguagem consciente é apenas a entrada de um profundo fosso onde saem eflúvios que agem em nós antes de tomarmos qualquer decisão.

Bendita incerteza que evita que fiquemos presos a uma rede falsa de medidas aparentemente exatas, quando sabemos que uma “certeza” sempre é percebida de maneira particular, tal qual as cores de um arco Iris, que caminham juntas, cada uma, respeitando a sua individualidade.

E A BELEZA DA VIDA SE RESUME A ISTO:

Sou grato por meu fracasso, em querer um só pensar.
Descobri que era vaidade a minha verdade apregoada
Aquele ser que combatia, hoje vejo com outro olhar;
Não compreendia o outro, a minha mente obcecada.
(Levi)
Marcio Alves disse…
CARLOS

Este seu posicionamento duvidoso sobre a certeza não seria já em si mesma uma certeza também?
Ainda que uma certeza da duvida? rsrsrss

Parafraseando um grande pensador da blogosfera que certa vez disse “Creio e tenho fé na duvida, mas duvido da certeza da fé” (autor Marcio Alves rsrsr) podemos dizer do seu pensamento que você “duvida da certeza da verdade, mas acredita na certeza da duvida”? Rsrsrsr

Acredito que esta questão da “verdade” tem dois lados extremos que temos que tentar evitar:
DOGMATISMO e RELATIVISMO.

Dogmatismo é enxergar o mundo por um único ângulo, sendo esta visão imutável, não aceitando outras “verdades”, outras lentes que não sejam as suas. Visão pobre, limita, desonesta e intolerante da vida.

Relativismo é ficar sempre em cima do muro, não ter opinião “própria”, é a maneira mais chique de fugir de um debate.

Claro que dos dois o pior, na minha visão, é o dogmatismo por toda conseqüência que ele traz, mas na “verdade” a “verdade” ela é tanto absoluta como relativa para todos nós.

Explico-me:
Absoluta porque somos humanos, por mais que tentamos ser neutros e imparciais, não conseguimos, pois nossa visão de mundo já está manchada por nossa subjetividade, e logo, sempre o nosso conhecimento é melhor do que o conhecimento do outro.

Relativa porque a nossa verdade passada não é a mesma verdade de hoje e não será a mesma de amanhã, ou seja, a verdade para o ser humano é relativa porque ela é dinâmica como o fluxo de um rio e porque a vida não é estática, nem muito menos a “verdade” sobre ela pode ser.

A verdade é como um mapa provisória que nos ajuda caminhar até certo ponto de uma certa trilha da existência, mas que trocamos quando não é mais necessária.

Mas enfim, o caminho do meio sempre é o mais sábio e aconselhável de se caminhar....sabemos que nunca vamos possuir a verdade absoluta da existência, mas por outro, não vamos desvalorizar e desmerecer a verdade construída e encontrada por nós (mesmo que venhamos querer, pois não passa de hipocrisia do tipo “não sou melhor do que ninguém”, mas claro que o sujeito sempre vai se achar “a última coca-cola do deserto”), ainda que ele seja mentira para outro, pois assim é a verdade....subjetiva e singular, mesmo quando se é uma única verdade para o grupo, cada um terá o seu jeito peculiar de a sentir, ver e ter!!!

Abraços
Boas reflexões, amigo.

A meu ver, talvez seja impossível mesmo a compreensão racional da Verdade. Porém, eu acredito na possibilidade de que a Verdade seja vivenciada e aprendida por outros meios. E aí eu considero que o primeiro passo a ser dado para quem quer aproximar-se da Verdade seria a humildade em relação ao conhecimento, reverenciando-A.

A Verdade é pra mim Deus. Ela faz parte da metafísica e está acima de toda compreensão humana. Contudo, uns estão mais prósimos e outros se distanciam mais.

Conviver com a dúvida faz parte da trajetória humana, pois é em meio à incerteza que a fé nasce. E eu tenho o palpite de que muitos cientistas, antes de suas descobertas, foram movidos por um tipo de fé, uma intuição de que indo por este ou aquele caminho conseguiriam respostas. Um misto de razão com metafísica.

Abraços e parabéns por sua primeira postagem que dá continuidade ao último assunto que publiquei aqui neste site.
Eduardo Medeiros disse…
eu adoro manga. e sei que manga com leite não faz mal...pelo menos para mim; mas houve alguém que tomou manga com leite e teve uma tremenda diarreia e propagou aos quatro ventos que manga com leite fazia mal e então, isso se tornou "verdade".

minha mulher odeia manga. não suporta nem o cheiro. e eu não entendo como pode existir alguém que não goste de manga, para mim, uma das frutas mais saborosas que o bom deus nos deixou na terra.

eu digo a ela que ela sofre de deficiência degustativa; só assim consigo explicar alguém não gostar de manga...

então, filosoficamente falando (a filosofia da manga), qual é o "verdadeiro" sabor da manga? o sabor que eu sinto e me deleito ou o sabor que ela sente e odeia?

eu tenho a plena certeza de que o gosto da manga é aquele que eu sinto na boca. então, como alguém pode não gostar?

esse exemplo pode ilustrar a questão da verdade. eu sou inclinado a crer(mas pode ser verdade ou mentira)de que a realidade é múltipla e que cada um de nós a vê conforme cria em suas mentes.

os positivistas dirão que a verdade só pode ser conhecida se for verificada pela experiência. daí, dizer que "uma pedra está rolando do morro e vai me atingir" é uma verdade que mais de uma pessoa pode experimentar se estiver vendo a pedra rolar em suas direções.

será?

se a pedra tivesse consciência e vontade talvez ela pudesse pensar: "finalmente me livrei daquele lugar ruim que eu estava e agora vou para um lugar melhor lá em baixo e aquelas pessoas estão querendo me impedir ficando na minha frente..."

isso seria verdade? seria a verdade da pedra consciente?

isso me dá uma insinuação que a "realidade(s)" só pode ser criada por uma mente consciente; sem consciência não haveria as realidades.

e quando não estávamos aqui ainda na terra para criar essas realidades, quem as criava?
Levi B. Santos disse…
Rodrigo


Quando você diz: “ a verdade pra mim é Deus” , na verdade você não está querendo dizer que o homem tem em todas a culturas um arquétipo universal que lhe estrutura, e que num antropomorfismo simbólico o percebemos como Pai ou Imago Paterna?

E não é justamente pelo fato dessa imagem, ser proveniente do campo inconsciente, que se apresenta como uma irresistibilidade que dá numinosidade e compele o homem a traduzi-lo como divino ?

Se a “verdade” ou “Deus” reside no inconsciente, ou é o próprio inconsciente, poderíamos concluir que somos mais expectadores do que protagonistas no grande drama da existência?
Quando se fala em verdades logo alguém pôe Deus no meio com uma certeza absoluta que sua convicção é irrefutável. Lêdo engano, este residente do inconsciente não figura em guilda alguma.
Não sou culpado se descambaram para religiosidades. Masoquismo, he,he,he...
Levi B. Santos disse…
Mirandinha


No seu primeiro comentário, que reproduzo abaixo, o Carlos Herrera expressou o seguinte desejo:

“Adoraria saber a visão dos confraternos a respeito deste meu posicionamento agnóstico acerca da Verdade..

Como debater sobre o posicionamento agnóstico acerca da “verdade” sem falar em Deus?

Você concorda, Mirandinha, que todos nós temos uma herança gnóstica, inclusive o agnóstico?

William Blake, Goethe e Jung foram grandes mentes que se inspiraram nos gnósticos. Jung, por exemplo viu no gnosticismo uma fonte mitológica que exprimia uma experiência interior.(rsrs)
CH disse…
Grande Levi,

Perfeito seu "ode à incerteza". O desafio, como coloquei no texto, é viver essa incerteza com serenidade.
CH disse…
Marcinho,

Esse círculo que você detectou no meu pensamento nada mais é do que o limite da lógica humana. Paradoxalmente, a incerteza sobre nossa capacidade de ter ou não certeza sobre as coisas, antes de refutar esta incerteza, a valida, pois apenas a demonstra! Este círculo nos é inescapável e eu, particularmente, penso muito melhor dentro dele, por pura falta de opção.
CH disse…
Rodrigo,

A verdade nos é de fato incompreensível porque nós estamos contidos nela. A parte não pode entender o todo. Você está certíssimo, creio, quando afirma que a humildade perante a Verdade é o primeiro passo rumo a ela. Pelo que me parece, discordamos apenas posteriormente, pois eu julgo ser este o único passo possível rumo à Verdade, e você parece dar um passo a mais e ter crenças sobre a natureza da Verdade (Deus).

Quanto à sua visão científica, de fato, a intuição pode ter dado origem à muitas das idéias científicas. O diferencial da ciência é sua metodologia, que demarca e ignora idéias metafísicas, por serem indiscutíveis empiricamente.
CH disse…
Eduardo,

Você ainda não desistiu das idéias do Goswami?? Hahahaha.

Entendo o que você quer dizer. A falha que vejo no raciocínio apresentado é que se confunde uma verdade singular (é "absolutamente" verdade que EU acho manga saborosa) com uma verdade universal (a manga é saborosa absolutamente). As realidades singulares de cada um dependem de uma mente (não necessariamente de uma consciência) mas esta mente deve estar contida em Algo. E afirmar que este Algo é uma consciência é algo que só se pode supor ou palpitar. Afirmo isto porque ouso afirmar algo ainda maior: Você jamais conseguirá criar um silogismo que implique que a Realidade Absoluta seja fruto de uma consciência. Verdades singulares não tem ligação lógica com a Verdade Universal. É justo esta a fonte de meu agnosticismo com relação à Verdade.
CH disse…
Levi,

Você disse:

"Como debater sobre o posicionamento agnóstico acerca da “verdade” sem falar em Deus?"

Neste ponto, porém, concordo com o Mirandinha. Deus é uma afirmação acerca da natureza da Verdade e não pode ser confundida como um sinônimo da Verdade ou como um sinônimo do Mistério que a cerca. Posso falar tranquilamente sobre o mistério e sobre a verdade sem que nenhuma noção sobre a natureza desse mistério (como Deus) venha à tona. Se temos uma herança divina, ela é cultural.

Se ninguém afirmar Deus, ninguém precisará discutí-lo. Restará apenas o silêncio de um Mistério inexplicável. E se me afirmarem que Deus é sinônimo de Mistério, concordo com prazer, mas duvído que esta noção satisfaça quem busque em Deus o mínimo conforto.

Abraços!
Hubner Braz disse…
A "Verdade" é Tripolar, ela reuni todos os aparatos para se mostrar num só "EU".
(Os bons que entendam)

Carlos, vamos para o seu texto que é digno de reflexão profunda.

Mesmo sabendo que a dúvida é a arquirival da fé, vemos que o seu texto declara a certeza da verdade por meio da dúvida que emana do seu quo.

Verdade essa que um dia foi palpável e hoje tornou-se um mito. Mito para aqueles que não entendem a planagem entre dúvida e certeza.

Nem todos consideram que a verdade foi um mito, e eu estou incluído neste "nem". Socrates no seu Livro "O Banquete" questionava de vez por outra com a verdade. E a verdade ficava em silêncio.

Mas com o passar dos primordios percebe-se que a irmã inseparável da verdade é o tempo.

E termino a míssiva dizendo apenas a verdade, pela pessoa da verdade.

Thanks

Hubner Braz
Eduardo Medeiros disse…
o pensamento dele me fascina exatamente pelo conteúdo mesclado de mística e lógica.

"Você jamais conseguirá criar um silogismo que implique que a Realidade Absoluta seja fruto de uma consciência."

com certeza...não me considero apto nem para discutir temas como este(discuto de teimoso que sou)ainda mais criar um silogismo perfeito e irrefutável sobre o tema.

mas não entendi a falha que você aponta.

onde estaria a confusão? o que eu disse é exatamente isso, que não se deve confundir as duas realidades, a minha, e a universal.

parece haver concordância que as realidades/verdades "relativas" são criadas pela nossa mente/consciência,que está contida em nossa cérebro e tudo, inclusive nossa mente/consciência está contido na Verdade Universal que não pode ser percebida exatamente por isso, como você disse.

e é evidente que "Deus" não pode ficar fora do problema. aliás, mirandinha, como você sabe, Deus é um dos temas mais recorrentes na filosofia.

o problema do mirandinha é que sempre que ele lê a palavra "deus" ele identifica o nome ao deus que ele aprendeu nas escolinhas dominicais...

carlos, sua afirmação vai de encontro o que diz o panenteísmo.

se trocarmos os termos, diríamos que o universo está contido nessa Verdade Absoluta mas sendo ela mesma maior que o universo. troque "Verdade Absoluta" por Deus e teremos uma afirmação bem razoável.

wittgenstein disse que deus se enquadraria na categoria de coisas que não se pode falar nada a respeito delas; apesar de existirem, não podem ser faladas ou pensadas.

estou aqui concordando com você de que dessa verdade absoluta(deus)nada pode ser falada(com a intenção de afirmá-lo)pois nela estamos contidos fazendo parte também dela.

"Verdades singulares não tem ligação lógica com a Verdade Universal."

se tudo está contido na verdade absoluta, como então as verdades singulares não têm uma ligação com essa verdade?

como nós, estando contidos nessa verdade absoluta, não teríamos nenhuma ligação com ela?

quando falamos de Verdade Absoluta, estamos na verdade, falando de algo metafísico, inalcançável,que foge à nossa percepção direta mas que de alguma forma, tem alguma ligação com todos nós.

ou será que a verdade absoluta não nos afetaria em nada se pudéssemos encontrá-la?

o autor bíblico que narra o encontro de moisés com deus/verdade absoluta, pede para que ele lhe diga o nome; ou seja, pede uma explicação para o que ele é, mas deus diz que ele é o que é.

isso é tudo que se pode falar da verdade absoluta, que pode sim, filosoficamente falando, ser deus.
CH disse…
Eduardo,

Não se trata de um desafio pessoal de aptidão. Esse silogismo "perfeito e irrefutável" é inalcançável não por aptidão ou inaptidão pessoal e sim por limitações lógicas. É um problema filosófico milenar: "Este pato é branco" é uma afirmação singular. "Todos os patos são brancos" é uma afirmação universal. O problema: Quantos patos brancos preciso ver para poder afirmar que TODOS os patos são brancos? Ou, em outras palavras: Quantas afirmações singulares me permitem inferir uma afirmação universal?

Há um pato branco, logo, todos os patos são brancos.
Há cem patos brancos, logo, todos os patos são brancos.
Há dez milhões de patos brancos, logo, todos os patos são brancos.

Sem inferência lógica, não importando quantos patos brancos localizemos. Sempre poderá haver UM único pato não branco. É daí a confusão a que me refiro. E é daí minha afirmação de que verdades singulares não tem ligação (lógica) nenhuma com a Verdade Universal.

Isso não é coisa minha. Hume esmiuçou essa limitação há séculos e Popper teve de apelar para o falseacionismo para salvar a metodologia científica.

Uma verdade singular, relativa, nada mais é do que um estado de coisas. Interação entre coisas. A forma como vejo o azul é a forma como certas entidades físicas interagem com outras entidades físicas (meu olhos, meu cérebro etc).

Deus é sim um tema recorrente na filosofia mas por questões culturais. Como disse Fichte, a filosofia de cada um nada mais é do que sua história de vida. Evidentemente o deus das doutrinas eclesiásticas e cia. pode ser deixado de lado. O Deus, entendido aqui como sinônimo de Mistério, não pode ficar de fora. Mas se Deus é idêntico ao Mistério, nada mais pode ser dito sobre ele além dessa identidade semântica.

Por que chamá-lo de Deus, então? Mistério é Mistério. Qualquer afirmação maior do que essa só entra pela via da cultura.

Por fim, vem daí o fato de eu considerar as idéias de Goswami como bem simpáticas. Quem não gostaria que fossem verdadeiras? Infelizmente, ele afirma muito mais do que se pode inferir.

A Verdade Absoluta pode ser Deus? Sem dúvida. Mas a Verdade pode ser também o sonho de um dromedário no deserto. Deus só se destaca nesse rol infinito de possibilidades além da lógica por questões culturais. Por isso minha insistência em quebrar essa idêntidade que se costuma fazer entre Verdade = Mistério = Deus.
Levi B. Santos disse…
Carlos Herrera


“Se temos uma herança divina, ela é cultural”

Concordo em parte com sua afirmação. Essa preocupação suprema que a cultura ocidental, resolveu dar o nome de Deus, é um “arquétipo paterno”, substitutivo do nosso pai natural. Nesse sentido não existe criação cultural que não expresse uma preocupação suprema.

Entendo que o “arquétipo paterno”, é uma expressão simbólica em cada cultura. O “sagrado” sendo uma dimensão de nosso inconsciente coletivo, se interpreta em cada uma das religiões da humanidade. A tradição mítica nos fornece variantes de uma mesma imagem simbólica e de um mesmo arquétipo inesgotável de nosso psiquismo. A cena de Belém nos mostrando como um Salvador nasceu “para todo o povo”, está presente no relato grego do nascimento de Asclépio, o Salvador, graças a uma mulher escolhida pelo deus Apolo.

A carga arcaica da afetividade religiosa ainda está latente em nós, ainda grita em nós. Reagimos a ela (e isso é natural) com racionalizações, sem refletir talvez, que as nossas longas explicações são apenas um paliativo para evitar o desprazer, tudo em defesa do ego.

Aquela criança arcaica ainda interfere de maneira inconsciente em nossa vida de relação. Quando procuramos o outro para dialogar estamos de certa forma fundindo-nos com os nossos pais, nos tempos em que éramos UNO com eles, nos primórdios de nossa existência.

Faço minha a indagação de Khalil Gibran: “Quem sabe, a verdade que procuramos com afinco não esteja adormecida na aurora do nosso entendimento?!”

Psicanaliticamente falando, o Khalil, pode está tocando em um “raio da verdade”, pois, em nossas eternas peregrinações nunca encontramos nada de novo, na verdade sempre encontramos o que já estava em nós, esquecido ou recalcado.

Desculpem-me. Acho que me empolguei demais.... (rsrs)
CH disse…
Levi,

Seus argumentos são fortes para justificar a necessidade do homem de buscar respostas, isto é, de lidar com o mistério da Verdade Absoluta. Eles permitem defender que o homem tem alguma espécie de "arquétipo" que faz certas "perguntas", e é exatamente a isso que chamo de Mistério, mas nada neles me permite inferir qualquer tipo de resposta.

Estas "perguntas" que, embora inconscientes, poderiamos representar simbolicamente como "o que sou? onde estou? por quê tudo isso"? são, muito provavelmente, inatas. Qualquer tipo de resposta a elas, porém, ou mesmo explicação sobre sua natureza, são de origem cultural, mesmo que a origem última desta cultura seja inata.

Explico: Se o homem busca estas respostas sempre da mesma forma, como a partir da ligação paterna exposta por você, isto tende a nos levar sempre aos mesmos lugares, como o "Deus da escolinha", aquele velho de longas barbas brancas sentado em um trono no céu ou coisa parecida. Isso pode ajudar a explicar como tendemos a ser ou acreditar no que somos e acreditamos, mas é só. É a cultura do homem, gerada a partir de suas percepções, recebidas e processadas por mecanismos inatos, que faz com que isto aconteça.

No contexto filosófico, porém, buscamos extravasar esta limitação. Brincamos de pensar além de nossos limites. Tentamos nos responder "como encararíamos a realidade se fossemos algo diferente de nós mesmos"? Neste contexto é que enxergamos o Mistério da Verdade Absoluta, e ali, tanto o velho senhor de barbas brancas quanto qualquer outra concepção de Deus é dispensável, a menos que arbitrariamente imposta. Ali, ignoramos (ao menos tentamos) nossos ímpetos culturais na hora de falar sobre a Realidade, e faço isso porque não tenho escolha, visto que é a Realidade que me contém e não eu que A contenho. E a partir do momento em que faço isso, nada tenho a afirmar. Nesse contexto, só temos o silêncio e nada mais podemos saber. Falar em Deus, falar em uma realidade material eterna ou falar em uma realidade surgindo do nada por nada, são todas opções tão viáveis quanto inviáveis para nós, pois não temos ferramenta alguma para julgá-las. Quando se fala no mistério da Realidade, Deus é opcional.

É neste sentido que afirmo que, no debate filosófico, Deus só aparece mais do que o universo físico eterno ou o Nada de onde veio Tudo ou o Dromedário do deserto por herança cultural do homem. O máximo que podemos saber ou afirmar sobre este mistério é o que Russell disse certa vez: "O universo está aí, e isto é tudo".

Acho que também me empolguei... rs.

Abraços.
Levi B. Santos disse…
Herrera


Pelo seu último comentário, pude ver que não estamos tão distantes (rsrs)

Gostei dessa sua construção: “Brincamos de pensar além de nossos limites” .

Tudo é linguagem. A partir do surgimento da palavra, é que começamos a brincar. Somos filhos das palavras, e toda palavra dita tem o seu avesso, que, a maneira de um bordado tem uma face bela, e outra paradoxalmente “feia” ou desordenada. Mas é no avesso que se vêem os misteriosos e intricados nós, que sem eles não existiria a bela criação final.

Você ao falar em brincar evocou em mim, memórias das ruínas de minha infância, que como o paradoxal bordado com seu lado direito e seu lado avesso, era quase sempre adubadas por palavras ambíguas,ou recheadas dos pólos paradoxais da certeza e da dúvida.

Era justamente nessa época (de festas juninas) que eu, na minha tenra infância, ficava na areia movediça da dúvida e da certeza. Apesar de, como menino “crente”, ter certeza de que não era nada de mais participar das festas juninas, como soltar fogos, balões e pular em roda das fogueiras com meus amiguinhos, era tomado pela dúvida em contar ou não o ocorrido quando tarde da noite voltava para casa. Aí, eu preferia mentir para não sofrer. Achava eu, que a palavra de meus pais, como a Sagrada Escritura, tinha o condão de amaldiçoar ou abençoar.

Nos meus sonhos noturnos, o deus que me aparecia tinha as feições e o vozerio tonitruante do meu pai, corroborando com o que diz Freud: “Deus é o sucedâneo imaginário do pai”

Mas parando um pouco com as minhas divagações, caro Herrera, perguntaria a você:

Será que ao ”brincar de pensar além dos nossos limites não estamos de certa forma realizando um “eterno retorno” ao nosso idílico paraíso perdido, quando a brincadeira era temperada pelo suspense de romper com os limites impostos pelos nossos pais naturais?
Levi: “Quando você diz: “ a verdade pra mim é Deus” , na verdade você não está querendo dizer que o homem tem em todas a culturas um arquétipo universal que lhe estrutura, e que num antropomorfismo simbólico o percebemos como Pai ou Imago Paterna?”

Oi, Levi. Não sei se te entendi suficientemente, mas eu entendo que a existência do Criador seja acessível a todas as culturas ainda que a leitura seja feita de modos diferentes. O “Pai” seria uma delas e aí parece que o amigo foi específico demais. Mas de qualquer modo, o conceito cristão do Pai tem a ver com a ideia mais ampla do Criador.


“E não é justamente pelo fato dessa imagem, ser proveniente do campo inconsciente, que se apresenta como uma irresistibilidade que dá numinosidade e compele o homem a traduzi-lo como divino ?”

Concordo que a revelação de Deus se dá no nosso inconsciente. E quanto melhor meditarmos, através da sinceridade, penso que melhor poderemos fazer uma leitura da manifestação divina em nosso inconsciente. Na verdade, nós passamos boa parte do tempo no inconsciente. Nossa respiração não é controlada pela consciência, assim como os nossos pensamentos. Logo, precismos aprender a ler o inconsciente.


“Se a “verdade” ou “Deus” reside no inconsciente, ou é o próprio inconsciente, poderíamos concluir que somos mais expectadores do que protagonistas no grande drama da existência?”

Deus não poderia ser o nosso próprio inconsciente. Isto seria negá-Lo! Deus é o que Ele é. Deus está em tudo e em todos. E, no inconsciente não é apenas Deus quem age, pois o mal também nos tenta para que pequemos. Mas sobre sermos protagonistas ou expectadores, penso que há um misto dos dois e teria dificuldade em afirmar qual das duas dimensões é a que predomina. Aí, Levi, não podemos esquecer que o Criador nos dotou de livre arbítrio e deu o dom da vontade ao homem. Só que nesta tomada de consciência, cometemos o frequente erro de tomarmos posições independentes, sem consultarmos Deus.
Herrera: "O diferencial da ciência é sua metodologia, que demarca e ignora idéias metafísicas, por serem indiscutíveis empiricamente."

Amigo,

A metafísica não pode ser provada, mas pode ser experimentada.

É claro que há inúmeros enganos acerca da metafísica, mas te digo que o único meio de se conhecer Deus é experimentando-O.

A minha experiência com Deus é que, no caminhar com Ele através da fé, passo a conhecê-Lo quando menos espero. E o mais interessante que sem ter explicações lógicas. Então, depois de certo tempo, cumprir os mandamentos e obedecê-Lo passa a fazer sentido.

Hoje em dia entendo um pouco melhor por que não devo matar, adulterar, mentir, roubar, desenrar meus pais, cobiçar a coisa alheia ou adorar falsos deuses. Também entendo um pouco mais sobre a necessidade de amar e buscar a santidade.

Abraços.
Unknown disse…
Carlos, conhece o Pirronismo? É uma escola de ceticismo extremo. http://rationalwiki.org/wiki/Pyrrhonism

no fundo, que certeza podemos ter, de qualquer coisa?

eu tento seguir um ceticismo mais light. há de se assumir algumas coisas como verdades, como por exemplo, que o mundo ao meu redor é externo à minha mente (e não uma criação completa dela).

mas já dentro desta realidade, seja ela externa, seja ela interna à minha mente, busco interpretá-la com o máximo de sentido. por isso gosto da ciência e de seu método.

a coisa é toda muito simples: filosoficamente, podemos ficar horas discutindo se a visão da ciência sobre determinado fenômeno é real ou apenas uma interpretação. Mas o fato é que, quando um cientista faz "previsões" (matematicamente falando), e elas se confirmam, podemos utilizar daquela descoberta. Exemplo: alguém pode afirmar que a visão da ciência sobre a física está errada, que não se pode ter certeza de nada, mas é fato que através da física moderna conseguimos realizar feitos incríveis: voar, mandar uma sonda a outro planeta, criar máquinas microscópicas, observar e manipular os menores elementos da matéria, criar novos materiais, realizar cirurgias....

ou seja, para mim, toda discussão a respeito da "verdade", assim como as afirmações dos religiosos sobre seus deuses, espiritos, whatever, estão cada vez mais inócuas. o que me interessa é que, independente da questão da relatividade do que é "verdade", a ciência em alguns séculos conseguiu infinitamente mais do que a religião e o pensamento mágico tentaram fazer durante milênios.
Eduardo Medeiros disse…
carlos, sua ilustração dos patos me foi mais palatável...rssssssss

mas aí eu te pergunto: o pato preto não seria a exceção da regra? ou a singularidade na universalidade? como você vê essa questão?

sobre sua frase

" Mas se Deus é idêntico ao Mistério, nada mais pode ser dito sobre ele além dessa identidade semântica. "

eu concordo. nada pode ser dito, mas pode ser sentido por quem tem fé na identificação desse Mistério com o deus da sua tradição religiosa.

mas não quero aqui começar uma discussão sobre os sentimentos da fé, o meu foco não é esse.

seu último parágrafo:

a Verdade não pode ser um dromedário sonhando no deserto, pois tal coisa não é Mistério. é algo do qual podemos falar: um dromedário no deserto que eu posso ver. o único mistério aí seria saber se dromedários sonham.

e você está certo ao identificar deus com cultura, mas não pode identificar o sentimento que gerou deus como cultura. ou pode?

sabemos de que cultura veio tal deus, mas não sabemos de qual cultura veio o sentimento que os criaram.

por isso, não vejo problema em fazer a identificação entre Verdade = Mistério = Deus, já que esse DEus é a Verdade e o Mistério e não o deus das religiões que seriam apenas verdade para quem crê; dessa trindade, nada se pode dizer, nenhum dogma pode prosperar.
Este comentário foi removido pelo autor.
Eduardo Medeiros disse…
camaradas, o edson deveria postar hoje ou amanhã, mas gostaria que esta postagem do carlos se estendesse até que ele tenha respondido a todas as questões que estão sendo levantadas.

depois disso o edson noreda poderia postar; se isso não acontecer, segue a fila...
CH disse…
Levi,

Teu comentário, para mim, chegou a adentrar o âmbito do próprio livre-arbítrio. Será que algo do que sinto, quero e vejo pode ser pensado por mim de forma 'imparcial'? No fundo não sabemos, mas parece bastante razoável supor que a imparcialidade absoluta nos é inalcançável. Só que está "de fora" poderia efetivamente pensar um todo. Estou dentro de mim mesmo e nada posso fazer contra isso. Pode então a história da filosofia ser explicada psicologicamente? Talvez. Porém, é preciso lembrar que a filosofia contém a psicologia, pois ela contém as bases fundamentais sobre as quais a psicologia se assenta. Se a psicologia desmente a filosofia, ela está desmentindo a si mesma, num episódio típico da história da miséria humana.

Se minha sede de crer, saber e conhecer é na verdade um fenômeno de outra natureza (seja explicável psicologicamente ou não) não tenho como precisar, pois estou prezo ao mesmo saber de que tenho sede. Nesse ponto, caro Levi, por pura falta de opção, só me resta ignorar tudo aquilo que excede minha própria capacidade e declarar-me ignorante.
CH disse…
Amigo Rodrigo,

Você disse:

"A metafísica não pode ser provada, mas pode ser experimentada".

Eu retruco:

Por definição, se algo pode ser experimentado, é físico e não metafísico. Você afirma ser capaz de sentir algo metafísico (no caso, Deus). Seja. Que posso eu objetar quanto a isto senão dizendo que nunca senti algo metafísico? Bem, na verdade, um pouco mais eu posso sim objetar: Tenho convicção de que você jamais aceitaria se eu afirmasse que sua experiência de Deus é ilusória, mesmo assim, faço esta afirmação. Não porque Deus é necessariamente irreal, pois uma ilusão pode ser verdadeira. Posso acreditar piamente que um amor perdido voltará para mim, embora ela ela esteja feliz e satisfeita em outro continente. Mesmo que, numa improbabilíssima ocasião, ela acabe por voltar, a esperança que sinto não deixa de ser ilusória, pois estou tomando um desejo por um fato.

É por isto que tenho o maior respeito por quem acredita ou afirme experienciar a Deus ou qualquer outro conceito metafísico, mas ao mesmo tempo, não aceito isto como argumento de que tais experiências sejam válidas como argumento para qualquer tipo de afirmação metafísica acerca da Verdade Absoluta. Quando você diz "eu sinto a Deus" eu ouço "eu creio que sinto a Deus". Você pode até estar certo, mas uma crença está longe de ser um caminho objetivo e infalível para adentrar uma natureza metafísica.

Abraços!
CH disse…
Nagib,

Conheço sim o pirronismo e entendo sua tendência em aceitar certas crenças como verdadeiras, sendo a crença de que nossa mente se divide do resto da realidade um ótimo exemplo. Isto, aliás, é algo que nos é inescapável. Só de eu falar "eu", já estou manifestando a crença que você citou. Você percebeu bem o espírito do que quis dizer no texto: Não creio que a discussão seja inócua, mas ela simplesmente não tem fim. Seu objetivo, portanto, deve ser fazer-nos perceber e viver essa dúvida, transmutando-a em valores sólidos como a humildade (perante a verdade). Quando professo minha dúvida, tanto aqui quanto em meu blog, não quero que as pessoas tornem-se zumbis de mente limpa que nada fazem ou pensam simplesmente porque nada é certo. O que defendo é uma postura não dogmática. Dogmatizar ,para mim, é tomar algo que se crê como algo absoluta e objetivamente Real e isso pode ser feito com qualquer coisa, não apenas Deus. Creia-se no que quiser, mas sempre sabendo que toda certeza, no fundo, é uma crença.
CH disse…
Eduardinho,

Gostou dos patos? Heheheheh.

Justamente por não sabermos se há ou não um pato preto, e por isto estar além de nosso alcance, é que não podemos fazer afirmações sobre o todo da realidade. Um absoluto que tenha uma exceção à regra não é um absoluto.

Sobre sua frase de que, sobre Deus, nada pode ser dito mas ele pode ser sentido, bem, meus comentários imediatamente anteriores já deixaram claro o que penso a este respeito.

Sobre suas afirmações entre sentimento e cultura, bem, o único problema que vejo na associação que você propõe é que ela não me diz absolutamente nada. É uma questão semântica, linguística. Acontece que, quando falamos em Mistério, a cabeça da maioria das pessoas fica em branco (ou completamente escura), mas quando falamos em Deus, normalmente a pessoa tem algum conceito, seja qual for. É para evitar esse "acréscimo conceitual" quase inevitável que evito o termo Deus mesmo nos moldes que você sugeriu. Dizer que Deus é idêntico a Mistério é o mesmo que dizer que Deus pode ser um Nada (ou seja, não há Deus), ou que Deus é um universo físico (nada de metafísico, portanto) que sempre existiu. Não creio que qualquer destas possibilidades vá satisfazer quem tenha preferência pelo termo Deus. Se o fizer, que seja, mas considero Mistério um nome mais adequado para algo do qual não faço a mínima idéia.

Abraços!
Levi B. Santos disse…
Mais uma palhinha sobre o conceito VERDADE


Quando Freud postulou a cisão psíquica em duas instâncias, uma inconsciente e outra consciente, se distanciou da concepção da concepção de razão identificada como consciência, substituindo a idéia de que é a partir da consciência que se tem acesso a verdade. É justamente a introdução dos fenômenos inconscientes que vai antepor um direcionamento no sentido de apontar a incerteza da percepção da realidade como garantia de verdade. Freud tomou para si o “cogito” cartesiano para estudar a relação entre o sujeito da certeza e o sujeito da verdade.

Não sei se o caro amigo Herrera concorda que a descoberta do inconsciente introduziu uma nova maneira de ver as coisas no mundo dos saberes, redundando em uma nova reformulação na questão dos conceitos entre verdade das coisas e a certeza do pensamento.

Freud pressentiu que há algo desconhecido no próprio sujeito, quando, através da autoanálise e da observação das neuroses de seus pacientes fez essa primeira e grande indagação: O que causa o sujeito impelindo-o a dar um sentido de si, do outro e do mundo?

A leitura de Freud nos atrai, sobretudo quando ele diz que as representações inconscientes estão isentas de contradição, a ponto de considerar que o amor e o ódio podem coexistir harmoniosamente. As representações inconscientes são invulneráveis ao teste da realidade. Por exemplo: “ a crença de que alguém me ama pode persistir no inconsciente a despeito das inúmeras experiências do sentido contrário”.

Em suma: a verdade consciente do sujeito é como aquilo que eu falei no meu comentário anterior: é o lado direito do bordado. Mas para entender o “porquê” da beleza da face bela do bordado(a consciência), o sujeito vai de início se surpreender olhando o lado feio ou avesso (o inconsciente) desse bordado - é lá nesse obscuro e intragável avesso onde residem os intricados nós que deram origem a “certeza do belo”.

Depois dessa análise, é que o sujeito então verá que o bonito pode ser feio (rsrs)
Eduardo Medeiros disse…
carlos,

"Não creio que qualquer destas possibilidades vá satisfazer quem tenha preferência pelo termo Deus"

mas não devemos nos ater aqui às pessoas que têm preferência pelo termo deus em seu sentido usual já que a fé religiosa sistematizada em crenças é outra coisa que não cabe nesta discussão.

até mesmo no pensamento do rodrigo não cabe esse deus da RELIGIÃO como a VERDADE. por isso, aqui podemos falar de VERDADE ABSOLUTA como sendo DEUS, já que o caso aqui não é o deus da religião.

teologicamente falando a partir do que estamos dizendo da VERDADE ABSOLUTA, eu poderia dizer que DEUS(mas não o deus que você pensou agora)é essa VERDADE ABSOLUTA, da qual, não podemos afirmar nada com certeza. ou seja, dá na mesma. mas eu não poderia dizer que a verdade absoluta é um cachorrinho sonhando(prefiro cachorros à dromedálios...rss), pois eu nomeei a verdade absoluta(que não pode ser nomeada a partir de algo que eu já conheço) como "verdade particular" - cachorrinho.

quero destacar o que disse o levi

" O que causa o sujeito impelindo-o a dar um sentido de si, do outro e do mundo?"

taí uma boa pergunta para discussão. será que é só a cultura que nos levou à transcendência? ou a transcendência(a busca de si e do sentido de si no mundo)não seria parte do que nós somos psiquicamente e por isso tal busca se manifesta em todas as culturas?

você já deu sua opinião sobre isso, mas essa questão não é de fácil solução.

quanto aos patos...ok, enquanto não aparecer um pato azul, a verdade(particular) é que os patos são brancos...rsss

se eu fosse falar como de um cristão-devotado-que-gosta-de-elocubrar eu diria que:

"enquanto não aparecer(e mesmo que apareça!!) uma explicação além de toda a possibilidade de dúvida que a minha "ilusão de deus" é falsa ou criação do meu inconsciente sem nenhuma relação com algo além de mim, eu continuo crendo nele devido ao que a IDEIA que contém no termo "Deus" provoca em minha vida. é o que me dá SENTIDO; e "o que dá sentido é sempre verdadeiro"(Viktor Frankl, psicólogo austríaco criador da logoterapia).
Eduardo Medeiros disse…
carlos, e depois de tudo isso, quero repetir e concordar(99%) com a conclusão do seu texto:

"Da mesma maneira, é preciso viver essa dúvida, de forma que possamos nos permitir certas certezas..."
Prezado Herrera,

Não importa se Deus será considerado “físico” ou “metafísico”. Ele existe, encontra-se elevado e acima dos conceitos humanos, é real, está em toda parte, pois, como teria dito Paulo aos atenienses, Nele nos movemos e existimos.

Contudo, você usou o termo "sentir" referindo-se a Deus e aí eu indago: Será que o homem precisa sentir a presença de Deus para crer?

Ano passado, deparei-me com um sincero relato de uma mulher no site Café História que disse não crer em Deus e nem na Bíblia. Suas palavras pareceram-me bem espontâneas, levando-me a refletir sobre os erros que muitas das instituições religiosas cristãs cometem. Há um ano e vários meses, eu havia entrado num debate que tem como título “Os Evangelhos são livros históricos no sentido em que hoje conhecemos a história?” e, desde então, comecei a participar de uma envolvente discussão sem fim com o seu autor, quando então uma debatedora surpreendentemente interveio dizendo:

“Fico até constrangida, e isso não é comum em mim, a postar neste fórum, por perceber o nível de conhecimento de todos que já postaram, mas pelo interesse que tenho no assunto, gostaria de colocar minha opinião, como leiga no trato histórico, porém como leitora da Bíblia toda, desde minha infância. Preciso deixar um parênteses para que não haja dúvidas sobre meu pensamento, cresci cristã protestante, leitora da Bíblia e crente em Deus Pai, Filho e Espírito Santo, criei meus filhos na mesma crença, pelo que agradeço por ter podido inculcar moral e bons costumes nos mesmos, coisa que não teria conseguido, pois venho de uma família deficitária na educação dos filhos, não más pessoas, mas sem preparo e formação. Hoje, não acredito na existência de um deus, ou um ser superior como me foi colocado pelo cristianismo, nem que exista algo além do que é comprovado pela química, pela física ou pela biologia. (…) Eu não posso me declarar com fé para acreditar em suas histórias, embora as conheça de cor e salteado, desde "no princípio criou Deus... até a graça do Senhor Jesus seja com todos", não consigo crer ou aceitar como palavras inspiradas por um ser superior, mas não vou aqui defender o ateísmo nem atacar o cristianismo ou a Bíblia, até porque aceito como conselheira, com ensinamentos importantes nos campos da saúde e na sabedoria dos conselhos no tangente às relações humanas (…) desde pequena tentei em vão sentir a existência de Deus, compreender seus motivos para assistir à humanidade e interferir apenas na vida de uns sorteados, e dentro de mim, a razão me levava a ver que ele não existe. Apesar da dificuldade em admitir isso, confesso que a consciência cristã inculcada em mim deixou um vestígio forte do medo da blasfêmia, mas minha razão não me permite mais ler a bíblia e crer no Deus que ela prega, nem mesmo lendo sobre outras doutrinas religiosas. Não sei se quero descobrir se existe uma alternativa de deus pra mim, nem sei se quero que haja, mas o que sei é que, para mim, a existência de deus é algo criado por seres humanos”.
Continuando...

Dentro deste curioso relato, chamou-me mais a atenção quando a debatedora disse que, desde pequena, havia tentado perceber a existência de Deus, lembrando-me o desespero dramático que muitos cristãos vivem dentro das igrejas evangélicas buscando sentir a presença divina.

Desde o ano em que me converti, em 1990, cometi a infantilidade de querer sentir Deus para acreditar na minha aceitação por Ele. Durante as orações na igreja, eu ficava ansiando por receber a experiência do “batismo no Espírito Santo” e começar a falar na “língua dos anjos “igual o meu pastor orava no púlpito. Aguardava ser milagrosamente curado do defeito na visão que fora diagnosticada quando tinha cerca de nove anos de idade e também do desvio de minha coluna descoberto pelo ortopedista no começo da adolescência por causa de minha péssima postura. Só que nada acontecia instantaneamente no mundo físico enquanto eu orava e, por muitas vezes, saía frustrado dos cultos achando que me faltava fé ou que não era amado por Deus.

Lendo o relato da participante no extenso debate histórico sobre os Evangelhos, recordei-me do discurso de Paulo em Atenas, quando o apóstolo disse que Deus não está tão longe de nenhum de nós ainda que não possamos encontrá-lo pelo nosso tato (ou por qualquer outro sentido corporal), já que a divindade não é semelhante aos elementos da natureza (conferir com Atos 17:22-31)

Embora eu acredite na possibilidade de alguém ter experiências sobrenaturais, também tenho observado que, em muitas igrejas, as pessoas confundem o emocional com o espiritual, sendo que há um número de crentes buscando sentir a presença de Deus. E, lamentavelmente, há pastores de má-fé que se aproveitam das reações emocionais das pessoas utilizando-se das mais variadas técnicas que poderão proporcionar em alguns a sensação de ter sido tocado por Deus. Claro que nem todos os pregadores que fazem isso são mal intencionados, pois muito já agem inconscientemente, mas de qualquer modo o que tenho visto por aí são pessoas agindo com histeria enquanto outros saem decepcionados.
Continuando...

Mas será que esta ânsia de querermos sentir a Deus não seria a mesma imaturidade de alguém buscar encontrar o seu Criador através do tato? E o que dizer daqueles que ficam esperando ter visões ou ouvir vozes sobrenaturais?

De fato, ansiamos em nosso íntimo pelo toque de Deus. Não nego que gostaria de contemplá-lo com meus olhos naturais, ouvir sua voz ressoando nos meus tímpanos, abraçá-lo e sentir seu perfume suave. E acredito que tudo isso acontecerá na eternidade quando estaremos para sempre com o Senhor, vivendo através de um corpo transformado. Porém, no momento presente, não acho que este seja o caminho.

Por outro lado, foi esta ânsia mal administrada de desejar apalpar a Deus que fez o homem voltar-se para a idolatria. Junto com a ambição de se construir uma torre elevada que chegue até os céus, o homem apegou-se a objetos de pedra, madeira e metais para que pudesse suprir sua necessidade psicológica de ter a divindade perto de si. Só que nas vezes em que a Bíblia fala da manifestação de Deus no deserto, os israelitas resolveram fugir de sua presença santa, preferindo que Moisés intercedesse pelo povo.

Atualmente, pelo tempo em que uma parte da humanidade aguarda a nova manifestação do Messias, resta-nos a oportunidade de desenvolvermos a fé quando o mundo não nos dá nenhuma razão para crermos. Se no Egito os israelitas aguardaram 400 anos pelo êxodo, a Igreja tem esperado por dois milênios a volta de Jesus, contentando-se com o silêncio de Deus enquanto crianças morrem de fome, as doenças proliferam e a violência cada vez aumenta mais.

Com toda sinceridade eu respondi à debatedora do fórum de discussões históricas da internet que não existe nenhuma explicação na Bíblia sobre os motivos da intervenção (ou das não intervenção) de Deus na humanidade, de maneira que só nos resta confiar em sua infalível soberania. Assim como Deus não respondeu a Jó o porquê de seu sofrimento, penso que, por enquanto, o Rei das Nações também não vai nos revelar em todos os detalhes como se cumprirão os seus propósitos. Não ouviremos dele nada que nos leve a acreditar pela razão, através de provas racionais acerca de sua existência.

Em meio ao momento de incerteza que a humanidade atravessa, compreendo que a fé surge como uma opção que escolhemos, isto é, a decisão de servirmos ao Deus único e de nos submetermos ao senhorio do seu Cristo. Somos crentes porque resolvemos confiar em Deus, aguardar as suas promessas e obedecer a sua Palavra. Permitimos que a Palavra não fique retida pelos nossos cinco sentidos e chegue aos nossos corações, atingindo o centro de nossas motivações, amadurecendo pela meditação e se consolidando pela prática das boas obras, as quais podem comprovar que realmente estamos crendo.
Levi B. Santos disse…
“...enquanto não aparecer(e mesmo que apareça!!) uma explicação além de toda a possibilidade de dúvida que a minha "ilusão de deus" é falsa ou criação do meu inconsciente sem nenhuma relação com algo além de mim, eu continuo crendo nele devido ao que a IDEIA que contém no termo "Deus" provoca em minha vida. é o que me dá SENTIDO; e "o que dá sentido é sempre verdadeiro"(Viktor Frankl, psicólogo austríaco criador da logoterapia”.


Carlos Herrera

Essa sua fala acima foi no âmago. (rsrs)

O Rodrigo falou em sua linguagem simbólica – “ Pra mim a verdade é Deus”

Em uma dos meus primeiros comentários eu tentei explicar que essa percepção provém de uma “imago paterna” internalizada em nosso inconsciente, e que é inerente a todas as culturas.
A intolerância religiosa tem em sua base estrutural, o fato do desejo humano emnomear o que é indizível e inominável.

Freud, a meu ver, vai ao cerne da questão ao dizer que “ o deslocamento do conflito edipiano para uma adesão religiosa à figura do Todo-Poderoso pode produzir-se, através do discurso religioso que elaborou sabiamente uma “ilusão”, tornando-a verossímil ao gratificar o filho, para além do sofrimento, com a glória que lhe confere a fusão com o pai...
Marcio Alves disse…
EDUARDO e demas CONFRATERNOS

Falei com o EDSON hoje por telefone, e ele me disse que irá postar hoje um texto (a pedido do EDUARDO) na confraria, portanto, vamos aguardar por ele.
Levi B. Santos disse…
(Continuando)

Quero explicitar aqui que ao usar o termo ilusão em meus comentários, não foi no sentido de balela ou mentira, erro de percepção, crença errônea ou falsa, e sim para mostrar que a ilusão é como um jogo que ocorre dentro de nós. Se se atentar para a tradução dessa palavra, (do latim), podemos ver que ela é formada por “in + ludere” que significa “jogar dentro”.

Portanto, a palavra ilusão é um jogo interno que o homem faz para manifestar seu desejo, para melhor viver e enfrentar seu desamparo, por isso ninguém vive sem ilusões.
Eduardo Medeiros disse…
Levi,

"o que dá sentido é sempre verdadeiro"(Viktor Frankl, psicólogo austríaco criador da logoterapia”." a frase final é do viktor e ela fecha o texto anterior que eu deixei para o carlos se eu fosse falar como um "cristão-devotado-que-gosta-de-elocubrar".

vai ao âmago é....rs bem, provavelmente, o carlos não vai entender assim; que bom, senão o debate acabaria...rssssss
Eduardo Medeiros disse…
MARCINHO E NOREDA;

NOREDA, QUE BOM QUE VOCÊ VAI NOS BRINDAR COM MAIS UM "SOCO NO ESTÔMAGO", MAS POR FAVOR, DEIXA PRÁ POSTAR AMANHÃ; DEIXA O CARLOS FAZER O SEU FECHO DESSAS DISCUSSÕES.
VALEU!
CH disse…
Rodrigo,

Em essência, o que você fez foi afirmar que "Deus é real" e em seguida passou a explanar como essa Realidade se relaciona com o que somos e percebemos. Não quero entrar no debate "Deus existe"? pois este debate não tem fim, justamente porque falta o essencial: Por que devo aceitar que Deus é real? Não afirmei que eu devo sentir a Deus para que ele seja real. Ao contrário: posso sentir a Deus ou algo análogo e mesmo assim não poderia saber se esse sentimento tem por base uma legítima experiência sobrenatural ou não. Como posso saber a diferença entre um estado emocional e um estado espiritual dado que, no fundo, mesmo um suposto estado espiritual manifesta-se em mim como um estado emocional?

Só para citar um exemplo ilustrativo (de modo algum completo): Em pesquisas científicas relativamente recentes, cientistas conseguiram analisar os estados cerebrais de diversos monges e freiras enquanto estes estavam tendo experiências espirituais (transe, momentos de oração, meditação etc). A experiência "espiritual", mesmo ela, é passível de um estado físico cerebral, que, inclusive, pode ser reproduzido físicamente, com drogas. O que prova uma droga?

Por isso, caro Rodrigo, não tenho desejo e nem ferramentas para afirmar dogmaticamente que sua crença é falsa. Ninguém detém tal poder. Apenas creio que tudo aquilo que se chama de "espiritual" não passa de um estado físico e lógica alguma me permite dizer "tenho estado físico tal, logo, este estado é causado por algo não físico". Daí o objetivo do texto: Não atacar a crença alheia, mas lembrar que toda certeza, toda sensação, toda afirmação é, no fundo, uma crença. Inclusive esta afirmação? Logicamente, só que, novamente, antes de a refutar, isto a valida, pois a incerteza, mesmo sobre ela, só a confirma. É o círculo ao qual nossa razão está presa.
CH disse…
Levi e Eduardo,

Pelo que percebi, nossos comentários caminham por contextos diferentes. O conhecimento fantástico de disciplinas relacionadas á psicologia do Levi, por exemplo, me parece, o leva a interpretar de um ponto de vista psicológico: Basta sustentar psicologicamente a origem da idéia ou arquétipo de Deus e isto é suficiente para demonstrar porquê o homem é como é ou pensa como pensa a este respeito. Ora, é difícil discordar disto. Quando teço meus argumentos, porém, parto de outro contexto. Todo o conhecimento que o homem desenvolveu em toda sua história tiveram por base uma série de pressupostos que estão além do próprio homem. Preciso crer que sou uma entidade à parte de todo o resto do universo. Preciso crer que posso interagir com o que vejo. Preciso crer que, o que descubro hoje, vale também amanhã. Se 2+2=4 hoje, assim também o será amanhã. Preciso crer até mesmo que estou aqui e não sou um cérebro num tubo em laboratório recebendo estímnulos que me fazem acreditar estar onde estou. Preciso crer que tudo o que lembro de fato aconteceu. Todas as ciências estão inclusas dentro destes pressupostos. Derrube-os e derrubará todo o conhecimento do homem como em um castelo de cartas. Por isso, por mais que abordemos e estudemos o homem, não temos opção quanto às ferramentas utilizadas. Podemos apenas usá-las e ver no que dá.

E neste sentido, diante de uma frase como "... o que dá sentido é sempre verdadeiro...", me obrigo a objetar. Posso crer nisso sim, mas afirmar tal coisa dogmatica e universalmente? Sem chance.

Relativamente verdadeiro? Pode ser, é o que chamo de ilusão (que, como o Levi comentou, não é algo necessariamente falso, mas sim um desejo tomado por fato) e uma ilusão não é mais especial que outra. Objetiva e absolutamente verdadeiro, só porque nos dá um sentido? Não creio que precise sequer tentar objetar um absurdo desses. Tal afirmação tornaria automaticamente verdadeiras um mar de crenças que hoje dão sentido à vida de muitos.

O desafio, portanto, é este: viver sabendo que nada se pode saber ao certo.
Levi B. Santos disse…
Caro Herrera


“Pode ser, é o que chamo de ilusão (que, como o Levi comentou, não é algo necessariamente falso, mas sim um desejo tomado por fato) e uma ilusão não é mais especial que outra”.

Concordo que “uma ilusão não é mais especial que outra”. Se tudo provém da psique, uma coisa eu sei: o meu conceito de “ existência psíquica de Deus” não vai anular a ilusão da não existência do inconsciente.

“O desafio, portanto, é este: viver sabendo que nada se pode saber ao certo”

Deixa eu traduzir (na minha ilusão) o que você escreveu acima:

O desafio, portanto é este: “o meu lado “consciente” nada pode saber ao certo, pois tudo nasce de um porão psique (inconsciente) que me diz: “não sabemos porque sabemos o que sabemos”

O filósofo escocês David Hume (1711-1776) espirituosamante refutou as idéias “claras” e distintas de Descartes, dando a entender que “nunca chegaremos ao conhecimento objetivo e à clareza absoluta, porque nossa mente impõe sua própria ordem à massa caótica dos dados sensoriais. Todo o nosso conhecimento é, portanto, subjetivo, porque é determinado pela psicologia humana”

David Hume, sem querer querendo, já vislumbrava que o “reino de Deus” (metáfora do inconsciente) residia num porão obscuro da mente, onde se encontram guardados crimes não ditos e lembranças inconfessáveis.

Ainda volto (rsrs)
Edson Moura disse…
Carlos H., infelizmente disponho de pouquíssimo tempo para ler todos os comentários que seu texto levantou (e acredito que foram de um conteúdo muito proveitoso), mas lí o pequeno artigo e quero deixar também minha opinião, já que o texto atual da Confraria, de certa forma está ligado a este aqui.

Não quero fugir muito do tema, portanto, vou transcrever algo que escrevi há pouco m ais de um ano, mas que ainda é uma verdade absoluta para mim. (Eu disse para mim)

Não pretendemos apenas escrever textos bonitos, pensamentos interessantes, aforismos que entrarão para os anais da História ou desenvolver teorias que influênciarão nossos amigos. No fundo , no fundo, todo mundo quer ser ouvido...almeja obter atenção e ter espaço para expôr o que pensa...e se possível, fazer valer sua própria opinião, divulgando assim, sua "verdade absoluta".

Acredito que isso começa quando ainda crianças ou bebês para ser mais exatos, e aprendemos que para conseguirmos o que queremos, é preciso se fazer ser ouvidos, e no caso dos pequenos o que se ouve é o choro. (o mestre Levi Bronzeado, deve ser mais gabaritado para falar deste assunto).

Nas relações pessoais funciona a mesma lógica. A capacidade de nos comunicar, de compreender e nos fazer compreender é sempre um dos maiores desafios. Histórias de amor, por exemplo, podem chegar ao fim simplesmente por que um diz uma coisa e o outro entende outra coisa.

Nesta era de tecnologia ou seja, dos relacionamentos virtuais (blogs...twitter...e podcasts), o que conta é a capacidade de "vender o próprio peixe". Para isso recorremos às palavras, aos textos muitas vezes densos, mas na maioria delas, simples.


Tentamos mostrar aos nossos leitores que, conforme amadurecemos, nos damos conta do poder...quase mágico dos vocábulos. Como disse Clarice Linspector: " A palavra é o meu domínio sobre o mundo". De fato, são elas que criam laços...moldam sentimentos...desdobram e ampliam sentidos e nos inserem na cultura (olha só quem está falando...um cara que mal estudou).


Palavras podem: consolar...fascinar...ensinar...agredir...destruir...curar...reconstruir e re-significar. Mas não bastam. Espero que todos os nossos leitores evoluam cada dia mais em sua percepção do mundo...sua manipulação das palavras e em sua consciência ética e filosófica, mas principalmente em sua sensibilidade com o drama do próximo.

Quanta coisa aprendemos, quando nos damos o direito de trocar idéias:

Reciprocidade...nós nos sentimos compelidos a retribuir gentilezas.

Afetividade...tendemos a dizer sim àqueles que gostamos.

Escassez...damos mais valor ao que existe em pequenas quantidades ou àquilo a que temos pouco acesso.

Comparação social...tomamos quem nos parece mais adequado como exemplo.


Autoridade...valorizamos a opinião de especialistas (Levi...Eduardo..J. Lima) e de quem ocupa lugar hierárquico superior.

Comprometimento...nos sentimos bem ao cumprir nossos compromissos e promessas. Para influenciar satisfatoriamente o outro, ou seja, convencê-lo, é preciso antes de mais nada, estar disponível à ele.

É preciso ouvi-lo e manter-se aberto às suas razões e lógicas...que nem sempre são óbvias. Assumindo essa postura, podemos dar o primeiro passo...criar pontes...estabelecer aproximações e finalmente talvez fazer valer nossas opiniões...nossas verdades.


Mas nesse trajeto, é possível descobrir que o outro também tem razão...e isso é o mais interessante.


Abraços e parabéns pelo texto.
CH disse…
Levi,

Vou aguardar sua conclusão para dizer mais, mas adianto que, se a entendi bem, concordo apenas em parte com sua afirmação:

O desafio, portanto é este: “o meu lado “consciente” nada pode saber ao certo, pois tudo nasce de um porão psique (inconsciente) que me diz: “não sabemos porque sabemos o que sabemos”

Digo isso porque a propria noção de que há um inconsciente não passa de uma crença. O porque de nosso conhecimento ser subjetivo também é uma crença. Por que não pode ser tudo verdade ao mesmo tempo de forma absoluta? Deus no criou ao mesmo tempo em que viemos do nada e ao mesmo tempo sempre existimos fisicamente e nunca houve criação....você pode me afirmar que nosso inconsciente de alguma forma atua hora de forma limitadora, hora de forma libertadora e eu poderia, num exemplo alegórico, afirmar que sou completamente livre mas há espíritos malignos que barram meu raciocínio, soprando-me visões e sentimentos, fazendo-me crer ser algo que não sou, limitando-me e impedindo-me de conhecer a Verdade.

Do ponto de vista filosófico, não tenho porque considerar uma hipótese mais plausível do que outra (espíritos malignos x inconsciente) exceto pela CRENÇA de que o que vejo tem algo de real (ainda que não tudo), de que o que ouço tem algo de real (novamente, ainda que de forma incompleta), de que o que vale hoje no universo valerá amanhã (como os exemplos que dei em comentário anterior) pois é a partir de crenças como estas que se constróem conhecimentos como os da ciência e da psicologia.

Nossa... isso era pra ser um comentário curto enquanto aguardava sua conclusão...rs.
Caro Levi,
A esta altura acho desnecessário refutar sua réplica, mas...
A frase do Carlos,"Adoraria saber a visão dos confraternos a respeito deste meu posicionamento agnóstico acerca da Verdade". Não carece tradução nem desenho.
A palavra agnosticismo explica uma atitude que considera inútil as discussões sobre questões metafísicas, já que se tratam de realidades incognoscíveis ou mera especulação.
“Se temos uma herança divina, ela é cultural” .
Eu não sou herdeiro desta cultura divina.
Edu, meu caro.
O meu deuzinho da escola dominical ficou lá na infância. Na infância descobri que mentira tem pernas curtas.
Só gostaria de saber por quê todos os assuntos descambam para religiosidades. Não dá para refletir sem citar Deus? Pobreza de espírito?
"Deus é um dos temas mais recorrentes na filosofia." Qual filosofia, a sua?
O ranço religioso empobrece a sala. Foi crucial a admissão do Carlos. Parabéns.
Levi B. Santos disse…
Herrera

Como um computador lento por conta de arquivos travados, assim é o homem. Temos todos, em maior ou menor grau, sintomas neuróticos derivados da não lembrança das memórias reprimidas de experiências infantis dolorosas.

Mas falar sobre o inconsciente, iria demandar meses de conversação.

Mas vamos a um pequeno exemplo de atuação do inconsciente. O “ato falho” ou “lapso” de discar para um telefone que a gente não tinha a mínima intenção de o fazer. Acho que isso já deve ter acontecido com você:

Quantas vezes planejei meticulosamente telefonar para uma pessoa do meu convívio, e me surpreendi quando a voz que me atendia do outro lado era de uma pessoa que, em minha “sã” consciência, não era a pessoa que os meu dedos pausadamente dedilhara no teclado do telefone.

Os meus dedos não obedeceram a meu desejo consciente. Mas algo da esfera do não consciente ou inconsciente fez movimentar meus dedos para dedilhar os números do telefone de uma pessoa, que no caso, não tinha a menor intenção (consciente) de falar com ela.

Esse ato falho, que relegamos comumente a um descuido, é um exemplo típico da força do desejo inconsciente.

O “ato falho” seria um ato bem sucedido do ponto de vista do inconsciente, como diz Lacan, já que é uma formação do inconsciente que passa para a consciência à revelia do sujeito.

O paciente neurótico, por exemplo, é aquela pessoa que desprende energia demais, tentando banir do seu consciente tudo aquilo que lhe causa desprazer ou lhe é moralmente inaceitável.

Mas vamos encerrar por hora o papo (prometendo voltar) para continuar o debate a respeito do tema postado pelo confrade Edson. (rsrs)
Eduardo Medeiros disse…
PQP!!! se continuássemos discutindo e puxando o fio desse novelo essa postagem ficaria um mês e ainda teríamos o que dizer...mesmo sem poder nada afirmar objetivamente!

carlos, a logoterapia foi criada pelo psicólogo frankel que era judeu e sobreviveu a um campo de concentração; o que lhe ajudou a sobreviver, segundo ele, foi que ele conseguiu guardar um sentido para a sua vida, um sentido que não o permitiu desistir da vida.

o sentido só é absoluto para quem este sentido faz sentido. você tem algum sentido para a sua vida? algo que lhe dá forças e ânimo para acordar todos os dias e viver e não buscar uma solução rápida para o vazio da vida que seria o suicídio?

se tem, isso é o que dá sentido. se não tem, você vive uma vida sem sentidos e talvez não ter sentido algum seja o sentido que você desejou para si.

não tenho cacife para ir muito fundo nos temas que o levi aborda, mas creio que haja exemplos no nosso próprio corpo de funções e reações que acontecem em nós e que nunca vamos nem saber que existem; acontecem independentemente do nosso consciente.

por que então a nível psicológico isso também não possa acontecer? talvez não seja uma afirmação absoluta mas há evidências.
Eduardo Medeiros disse…
mirandinha, não pergunte se deus é tema recorrente na MINHA FILOSOFIA pois eu sei que você conhece a história da filosofia melhor do que eu.
Edu, meu caro.
Concordo que Deus seja um tema recorrente à sua filosofia, só não entendo ser o único.
Herrera: "Por que devo aceitar que Deus é real?"

Taí uma questão interessante. Por que devo aceitar? Por medo do "inferno"? De enfrentar a morte ou os problemas do cotidiano?

É certo que, independentemente dos castigos ameaçados pelos homens da religião, a humanidade intuitivamente buscou a Divindade desde suas origens por diferentes razões. E aí, embora as tais estivessem relacionadas à satisfação de uma necessidade (ex: colheita farta, fertilidade ou êxito numa batalha militar), tem-se uma busca gerada no íntimo, a qual não se satisfaz plenamente com alimentos, filhos ou a conquista dos inimigos. Isto porque o homem é um desejo e a nossa busca só vai nos levar mesmo a Deus.


"Como posso saber a diferença entre um estado emocional e um estado espiritual dado que, no fundo, mesmo um suposto estado espiritual manifesta-se em mim como um estado emocional?"

Não há como saber. Deus não está restrito ao mundo das emoções ou das razões. Sua manifestação pode utilizar-se de qualquer uma das dimensões, ou de ambas, bem como de nenhuma. Deus pode falar através de sonhos, mas o que sonhei na noite passada pode ser também pura criação da minha mente, uma percepção inconsciente da realidade (ou do que se passa comigo).


"A experiência "espiritual", mesmo ela, é passível de um estado físico cerebral, que, inclusive, pode ser reproduzido físicamente, com drogas. O que prova uma droga?"

Nos rituais xamânicos e nas religiões mais primitivas da humanidade, usa-se a droga para provocar uma alteração no estado de consciência da pessoa. Porém, a droga pode se tornar um auto-engano que nem sempre vai transportar a pessoa para o mudo espiritual. Há situações em que poderá ser interessante sair de órbita para analisar o mundo de um modo diferente, mas é preciso que a nossa consciência avance em suas reflexões.


"Apenas creio que tudo aquilo que se chama de "espiritual" não passa de um estado físico"

O espiritual pode gerar interferências no mundo físico pois não são universos separados. Contudo, o que percebo é que a consciência pode ser o palco onde a percepção se manifesta, talvez o lugar principal onde o homem se encontre com Deus. Tanto é que na Bíblia os sonhos e as visões precisaram ser refletidas.